Nem mais uma palavra

1 0 0
                                    

Os dias se passaram em uma rotina intensa. Lavava dinheiro para Juarez com uma destreza que, honestamente, me fazia questionar o quão fácil era manipular todo esse sistema. Nossa aliança estava mais sólida do que nunca; ele deixava isso claro cada vez que me entregava uma nova remessa ou um novo "projeto" para o cartel. Para Juarez, eu era mais que uma aliada – era uma mente brilhante no negócio, e ele me dava cada vez mais liberdade.

Foi então que finalmente consegui o que eu estava esperando: acesso aos documentos internos do cartel. Todos aqueles dados, nomes e endereços que poderiam, em mãos certas, desmontar toda a rede criminosa que Juarez tanto se orgulhava em comandar. Era quase cômico como ele confiava em mim. Estava coletando tudo para entregar à Interpol, através de um agente que eu conheci há alguns meses em uma festa de luxo em Nova York.

Esse agente, Martin Greene, era a caricatura perfeita do espião que todos imaginam: charmoso, com aquele terno sob medida e um olhar afiado que parecia enxergar até o último segredo de uma pessoa. Lembro como ele me abordou, casualmente, enquanto tomávamos um whisky caro demais para qualquer um ali apreciar. Ele lançou um comentário sutil sobre o mundo dos negócios "não tão legítimos" e, bem... a conversa fluiu como se ambos estivéssemos jogando uma partida de xadrez verbal. Ele confiava em mim, embora soubesse que estava lidando com alguém da "outra margem do rio". A ironia era que eu estava no meio de tudo isso para desmantelar Juarez. Greene era meu contato e minha garantia de que, no final, alguém ia pagar por tudo isso.

Mas, naquela manhã, o inesperado aconteceu. Fui acordada por batidas altas na porta – e quando digo altas, quero dizer o suficiente para me fazer pensar que algum desastre natural estava prestes a entrar pela minha sala. Suspirei: a polícia. Perfeito. Ótimo. Abri a porta e me deparei com o tipo de expressão que só policiais em missão têm: pura arrogância, acompanhada de um mandado de busca e apreensão, como se tivessem certeza de que tinham encontrado algo. Deixei-os entrar e revistar tudo, cada canto. Quando terminaram, apenas me levaram, sem cerimônia, até a delegacia.

Uma vez lá, liguei para Baxter. Para um advogado de primeira linha, a lentidão dele às vezes é insuportável. Talvez ele pense que cada segundo que me deixa esperando aumenta o valor dos honorários dele. Mas, honestamente, naquele momento, eu estava furiosa. Quando ele finalmente chegou, me levaram para a sala de interrogatório, onde me esperava um delegado alto e mal-humorado, com um olhar que misturava impaciência e uma certeza de que já estava quase com o caso resolvido. Quase. Porque, para minha infelicidade – ou sorte, depende do ponto de vista –, não era assim tão simples.

Ele começou direto.

-- Senhorita Reis, agradeço pela sua presença, mas temo que nossa conversa será longa – ele disse, segurando uma pilha de papéis com uma satisfação mal disfarçada.

-- Ah, eu que agradeço a oportunidade, delegado. Sempre tive curiosidade para ver de perto como as delegacias funcionam – disse com um sorriso cínico, jogando-me de costas na cadeira como se estivesse ali por uma escolha minha.

Ele ignorou meu sarcasmo, ajustando os óculos para dar uma olhada em seu relatório.

-- Então... vamos falar sobre Erick e Macedo. Nome familiar para você, não?

Revirei os olhos.

-- Erick e Macedo? Por favor, delegado, tenha um pouco de imaginação. Se eu fosse me envolver com alguém, não seria com essa classe de... "figuras". Me dê algum crédito.

Ele soltou um suspiro profundo.

-- Parece que você gosta de sarcasmo, mas eu espero que leve isso a sério. Há evidências de que você tinha relações com ambos.

Eu precisava ser esperta, não poderia falar nada de errado, jogaria com sarcasmo e talvez conseguisse sair dali o mais rápido possível. Parecia que o universo não conspirava ao meu favor, eu matei apenas um dos Irmãos e estou levando a culpa em dobro, ok, isso tinha passado dos limites. 

Perdido ao sonhoOnde histórias criam vida. Descubra agora