Lembranças

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Ao chegar da faculdade, consultei o relógio que já passavam das duas da tarde. O banho reconfortante foi como uma prelúdio para a festa que se aproximava. Uma sensação singular me envolvia, como se o destino reservasse algo especial para aquela noite. E, se há algo em que sempre confiei, é na minha intuição infalível.

Após meus afazeres eu me sentia um pouco cansada, mas era hora de me preparar para a festa que prometia agitar os corações. Mantendo minha essência, optei pelo meu estilo característico: blusas folgadas que abraçavam minha alma, jeans que oscilavam entre tons claros e escuros, e, é claro, meu All Star grafite, que há muito tempo se tornou meu fiel companheiro de jornada. Meu cabelo, solto e adornado com suaves ondulações, dançava em harmonia com minha determinação. E, como não poderia faltar, meu relógio negro permanecia firme no pulso, ao lado do medalhão de prata, um presente precioso que irradiava bênçãos e proteção.

Assim, envolta em meu próprio estilo, eu me preparava para enfrentar a noite com um sorriso nos lábios e a certeza de que algo extraordinário aguardava-me sob o luar.

O tempo escorria como areia fina entre meus dedos, já ultrapassando os limites das nove da noite. O crepúsculo tingia o céu com tons de âmbar enquanto eu, imersa em pensamentos, me aprontava para a noite que se anunciava. Mesmo desgostando de dirigir até a faculdade, dessa vez, o volante era meu guia rumo à casa de Duda. Nossa pequena cidade, marcada pela lagoa serena que repousava no centro, era um palco onde se desenrolavam os fios intricados das memórias. Cada ondulação da água guardava segredos, cada brisa carregava murmúrios do passado.

Ao chegar, atrasada, na casa de minha amiga, pude esperar pacientemente pelo seu ritual de preparação. Duda e eu éramos como reflexos uma da outra, o mesmo tom de cabelo, gestos similares, e aquelas mesmas ondulações que dançavam em nossas madeixas. Juntas, seguimos para a festa na casa de Gabriel, onde nossos amigos de longa data já aguardavam. Luiz, o irmão que a vida me deu, com seu sorriso cativante; Camila, com seus cachos exuberantes que inspiravam o amor do Luiz; Yuri, o mestre do humor que iluminava nossos dias; e Thais, com seu sorriso cativante que me fazia perder o fôlego.

No barda imensa casa, entre risadas e conversas, observava a pista de dança com uma bebida em mãos. E então, como uma miragem em meio à penumbra, seus olhos cintilaram, prendendo-me em seu encanto. Uma troca de olhares, um sorriso, e eu me senti em casa, envolta por uma aura de familiaridade e desejo. Mas o destino, cruel como sempre, revelou sua piada de mau gosto quando a luz da normalidade resplandeceu sobre sua mão adornada com um anel no dedo anelar direito. Aceitei meu destino com resignação e brindei ao seu novo começo. Porém, quando já me afastava da pista, envolvida em uma névoa de despedida, ouvi aquela voz doce chamando meu nome. Um puxão em meu braço direito me fez voltar, e então, diante de mim, estava ela. Seu olhar transbordava emoção, sua boca, uma canção de saudade, e seu cheiro, um bálsamo para minha alma cansada. Em um instante, o mundo ao meu redor desvaneceu, e só restava nós duas, imersos na essência do reencontro. Seu cabelo cacheado, sua silhueta que eu tanto amava, tudo me envolvia como uma lembrança viva de um amor intocado pelo tempo. E naquele momento, eu soube: o universo, em sua infinita sabedoria, me concedera mais uma chance de recomeçar.

FLASHBACK ON:

No ápice da competição, no fulgor da final do campeonato escolar de 2010, encontrava-me no centro da quadra de futsal. O placar, marcado pelo destemor e pela garra, já indicava 3x1 a nosso favor. Estudante da escola mais efervescente da cidade naquela época, não era novidade disputar a final do torneio de futsal feminino. Ao soar do apito final, a vitória era nossa. Enquanto os demais comemoravam, meu coração me conduziu na direção do vestiário, alinhado ao banheiro feminino. Porém, uma voz me chamou.

-- Nathalia! - Virei-me rapidamente.

-- Oi! - Cumprimentei, curiosa. -- Me chamo Priscila, gostaria de te parabenizar pelo jogo de hoje! - Pronunciou a garota, irradiando um sorriso genuíno.

-- Ah, obrigada, mas não foi mérito só meu. Todas jogaram bem. - Respondi, humilde.

-- Eu já sabia o seu nome há bastante tempo. Sempre reparei algo diferente em você! - Comentou Priscila, sorrindo com doçura.

-- Que gentileza! - Agradeci, sentindo um calor terno se espalhar pelo peito.

-- Seu sorriso é lindo, sabia? - Ela elogiou, fazendo meu coração dar cambalhotas.

--Ah, muito obrigada. Mas não pude deixar de reparar em seus olhos. São simplesmente encantadores. - Confessei, sentindo-me tomada por uma inexplicável conexão.

Após esse diálogo, uma necessidade imensa de estar com ela tomou conta de mim. Aos 14 anos, eu me apaixonei perdidamente. Priscila era única para mim, minha fonte de alegria e inspiração. Vivíamos em uma bolha de felicidade, onde seus sorrisos eram minha bússola e sua presença, meu porto seguro. Ela era dois anos mais velha, mas eu acreditava que o destino havia nos entrelaçado de propósito. Eu transbordava de amor, mergulhando em um oceano de sentimentos, gratidão inundando meu coração por tê-la ao meu lado. Ela era minha confidente nos momentos de dor, meu farol nos dias sombrios. Juntas, compartilhamos a jornada da adolescência, da descoberta e do primeiro amor.

No entanto, como todas as coisas terrenas, nosso amor enfrentou os caprichos do tempo. No verão de 2012, quando concluí meus estudos naquela escola e me preparava para adentrar na faculdade, decidimos seguir caminhos distintos. Ainda nos encontramos esporadicamente após o término, mas no inverno de 2013, Priscila partiu da cidade, rumo a outro estado, e nunca mais tive notícias dela. Nossos encontros se tornaram memórias distantes, e eu me vi imersa na saudade de um amor que uma vez foi, mas que agora apenas ecoa na melodia suave do passado.

- Nath! - Priscila chamou mais uma vez após eu ignorar o primeiro chamado ao meu nome.

  - Oi. -- O tom da minha voz saiu meio baixo.

  - Como você está? Meu Deus, faz tanto tempo... -- Ela pontuou surpresa, seus olhos percorriam o meu rosto e os meus braços tatuados. Pela minha percepção ela tentava observar ao máximo as mudadas que tive com o tempo.

   - Estou bem! -- Disse sem animação, queria encerrar a conversa logo!

   - Estou de volta ao estado, estou morando na capital com minha noiva. -- ela insistia na conversa e eu já estava perdendo a paciência. Enquanto isso os meus olhos estavam disfarçando o estado trágico que meu coração se encontrava.

-- Fico feliz, você merece! -- Cortei novamente, o meu desejo era correr o mais rápido daquele assunto.

-- Encontrou alguém? Sabe, um novo amor. -- A Morena foi direta e isso me atingiu em cheio. Não me segurei e logo soltei um sorriso sarcástico.

- Logo de cara, já te peço desculpa pelas coisas que direi, não que eu me importe com isso. -- Afirmei tentando não transparecer o nervosismo em minha voz. -- Eu realmente não entendo o porque de você se importar se estou com alguém ou não. 

  - Não pergunto mais, me desculpe se eu ainda me importo. -- Priscila disse entre ombros.

-  Me responde uma coisinha. -- Nesse momento eu já não me importava com as magoas, eu de fato jogaria algumas verdades no ar! Quem ela pensa que é?-- Foi você que veio com aquele papo de cada uma pro seu lado, que irmos por lados opostos era o melhor a se fazer.

-- Eu errei, ok? Não deveria ter te deixado ir. -- Ela disse com certo receio. -- Me arrependo até hoje por isso. Eu sabia que você estaria aqui hoje e por isso apareci, eu queria e precisava te ver.

--Foi você que pôs obstáculos como desculpinha pra não ficarmos juntas. Ok? Esse arrependimento que sente é consequência da sua escolha.

- Por que está me ofendendo desse jeito? -- A mulher questionou transparecendo magoa e tristeza.

   -  Eu realmente não te entendo! -- Afirmei ainda desacreditada. -- Na última conversa que tivemos você foi tão babaca, ao ponto de dar uma desculpa tão cretina pra não ficarmos juntas, isso foi o fim pra mim.

-- É imaturidade jogar isso na minha cara! Sua personalidade ainda é a mesma. -- Priscila afirmou com um certo deboche e isso só me fez sentir mais raiva.

-- Pode me chamar de imatura por jogar tudo na sua cara, mas foi você que decidiu ir! O meu coração ainda sente, não posso negar. Mas eu não sou boba para me deixar levar de novo, você é o meu passado e espero que não cruze meu caminho de novo, se cruzar, esteja mais decidida do que você realmente quer.

Perdido ao sonhoOnde histórias criam vida. Descubra agora