Capítulo 23 - Cuidado Afetivo

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Tiziano não desviava o olhar de seus ferimentos, marcas de quem com certeza foi agredida. Porém, não a tocou, nem disse uma palavra enquanto olhava. Lágrimas escorriam livres pelo rosto de Lua. Todo o sofrimento não havia sido em vão, ela pensou. Ao menos aqui podia falar, dizer como se sentia.
A mão de Tiziano tocou-lhe gentilmente o rosto, enxugando as lágrimas. Ela afastou a cabeça e encarou ele, o pouco de orgulho que lhe restava exigindo que não adiantava insistir naquela loucura. Ela iria sobreviver - era capaz de sobreviver a qualquer coisa nesse mundo. No outro, talvez não tivesse tanta certeza, mas não queria a pena dele. Estava farta de todos lhe dizer como agir.

- Pronto, já olhou, agora pode seguir seu caminho. Logo logo partirei - falou baixinho - Não precisa provar para mim que é um homem de bem, não vou obriga-lo a isso. Cada um é o que é. Não tem obrigação comigo.

Tiziano tomou-lhe o rosto dela entre as mãos aproximando-a de seu peito, acariciando os cabelos dela com um gesto desesperado.

- Aqui é sua casa, agora, Lua. Sei que me acha egoísta e talvez eu seja mesmo, mas não tanto que seja capaz de lhe negar um sonho pelo qual você tanto deseja. Eu sinto que Pazunis lhe acalma, mesmo com minha presença bruta.

- Você não pode me querer aqui - ela soluçou. - Não terei nenhuma utilidade para você!

- E o que tem isso ? E eu, será que sou útil para alguma coisa ? - Abraçou-a com mais força, o rosto roçando contra seus cabelos com uma ternura que destruiu todas as defesas que Lua poderia ter. - Desculpe se lhe assustei - sussurrou. - Acontece que persigo o que desejo com uma ânsia que acabo sempre ferindo outras pessoas. Quando imagino algo, sinto-me compelido a realiza-lo, e não permito que nada nem ninguém interfira, pois é fácil demais perder um sonho.

A paixão por cada palavra que ele dizia, instintivamente fez Lua perceber que ele lhe confessava coisas que jamais foi dita a outra pessoa, e começava a entende-lo melhor. Sua busca pela perfeição, a violência com que impunha suas vontades...
Finalmente Tiziano se calou e ficaram abraçados, em silêncio. Ela não tinha a menor vontade de se mover ou de falar. Talvez, mais tarde, eles se tornassem novamente forças opostas, mas naquele momento a dor mútua que sentiam, na aceitação do que não podia se modificado, os tornavam íntimos, unidos, transcendendo todas as diferenças que existiam entre os dois e trazendo uma deliciosa sensação de paz.
Lua se sentia bem ao Lado dele, esquecida da solidão que sempre a acompanhava. Compreendeu que compartilhavam a mesma necessidade urgente de fazer de suas vidas algo muito importante. Deve ser porque ambos não tinham com quem contar, eles não tinham apoio como a maioria das pessoas.
Compaixão, compreensão, não importava o nome que pudesse ser dado ao que estavam sentindo naquele momento, apenas Tiziano lhe dava o que ela precisava, fazendo-a se sentir muito bem.

- Vai da tudo certo - ele falou, afinal. - Acariciou seus cabelos empurrando-os para trás e deixando o rosto livre. - E você vai ficar comigo, vou cuidar de você, não permitirei que mais ninguém a machuque. Está é sua casa, Lua.

Inclinou-se e tomou-lhe os cabelos com os labios, aspirando o perfume suave.

- E se eu não conseguir - ela falou com tristeza - Se algo me mandar de volta para meu mundo.

- Aqui é o seu mundo, não largarei seu corpo nunca mais, para que nada a tire de mim.

Com infinita delicadeza, ele fez com que Lua voltasse a deitar até que amanhecesse por completo. Recostou-a em seus braços, aconchegou-se em torno dela como se cobrisse uma criança. Seu rosto demonstrava cansaço e dor, mas os olhos brilhavam de ternura.

- Está tudo bem, agora ?

- Sim - ela sussurrou.

- Não vai fugir correndo de mim ?

Ela sorriu, com uma ironia amarga:

- Não agora, talvez mais tarde.

Ele lhe devolveu o sorrisso, animando-a.

- Bem, está é minha sorte. Acho que vamos nos dar muito bem daqui por diante Lua. Você não tem com que se preocupar.

Ela estendeu a mão e tomou-lhe o rosto, os olhos repletos de gratidão.

- Não acho que seja egoísta - falou.

Seus olhos se encontraram e, subitamente, a atmosfera entre eles se modificou. Tiziano olhava fixamente para os labios dela, com uma expressão intensa.
Porém, um segundo depois, ele se levantou e falou:

- Não imagine que sou um homem virtuoso Lua. Jamais voltarei a ser um Romântico Apaixonado. Acho melhor continuar pensando que sou egoísta.

E, com aquelas palavras, ele destruiu toda a sensação de paz que havia existido.

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