Capítulo Vinte Um

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As enormes portas da casa do Harry abrem e eu entro seguindo-o pela gigantesca escadaria. Imagens daquilo que fomos invadem a minha cabeça e eu forço-me a deixá-las para trás como se fossem meras recordações sem qualquer importância.

Um silêncio constrangedor foi mantido durante a maior parte do tempo, porque nenhum de nós deixa para lá o orgulho ferido.

É incrível que por mais que tente ir-me embora, acabo por dar voltas e voltas e nunca consigo sair completamente do mesmo sítio. Estamos aqui os dois, tão próximos, mas tão longe ao mesmo tempo e é como se eu estivesse presa a uma realidade que não é minha, como se tivesse acordado de um sonho que acabou e me apercebesse agora de como as coisas funcionam.

Sinto-me como uma criança desiludida porque acabou de descobrir que o Pai Natal não existe e simplesmente não sabe lidar com isso. Queria poder dizer-lhe alguma coisa, mas as palavras parecem presas na minhas garganta e não arranjo forma de as fazer sair.
Pensei em tudo o que lhe iria dizer, mas agora que aqui estou, as ideias desapareceram todas e deram lugar ao vazio.

Deixei o meu corpo seguir simplesmente o seu e dei por mim num escritório maior que o meu quarto. As paredes eram forradas de um vermelho escuro, dando a este lugar uma certa tensão e no canto do escritório estava uma grande secretária de madeira castanha escura, com um cadeirão de pele. De repente, parecia que tinha viajado para a época medieval, e eu estava na corte real a viver um conto de fadas.

O corpo dele moveu-se até ao cadeirão, onde se sentei e fixou o olhar em mim.

- Vou precisar de trabalhar, mas estás à vontade para fazeres o que quiseres - falou num tom neutro, que me trespassou o coração.

- Hmm... Obrigada - acabei por me sentar num sofá castanho que estava também no escritório e roubei uma folha, juntamente com um lápis, da sua secretária. Comecei por desenhar rabiscos ao calhas mas nenhum deles fazia sentido na minha cabeça. Parei, apaguei e voltei a desenhar, à espera que uma forma aparecesse mas nada acontecia, era se o lápis não me deixasse desenhar uma coisa ao calhas. Observei atentamente a sala , mas os meus olhos pararam no vulto que estava concentrado no trabalho.

O seu rosto estava mais ou menos de perfil para mim, por isso comecei por desenhar o seu cabelo que estava preso num coque para lhe dar mais visibilidade e desenhei o seu pescoço, quase nunca precisando de o observar, por já o conhecer tão bem. Contornei a forma do seu rosto, não lhe dando ainda nenhuma expressão e optei por desenhar apenas uma parte do seu corpo, deixando para trás a outra que estava tapada pela secretária.

Observei-o atentamente e rabisquei alguns traços que deram vida à sua t-shirt preta e comecei por fazer o seu nariz e a sua boca, fazendo-os quase perfeitos. Assim que tentei fazer os olhos, nenhuma forma me saía exactamente como a que eu queria, como se tudo o que eu desenhasse não tivesse vida.

Desenhei. Apaguei. Voltei a desenhar e voltei a apagar.

Fixei os meus olhos então nos seus pela primeira vez desde que estou a desenhar e vi que também os seus me observavam, num misto de preocupação e mistério. Respirei fundo, voltei a olhar para o meu esboço e consegui finalmente fazer um olho que gostasse e que transmitisse qualquer coisa que não sei explicar.

Eu acredito que tudo na vida está traçado e que se algo nos acontece é que porque teve de ser assim e isso não pudemos apagar. Talvez este ambiente entre mim e o Harry esteja assim para que um de nós aprenda a dar o braço a torcer e a deixar de ser tão orgulhoso.

Talvez o facto da minha mãe ter falecido tenha sido um sinal da vida para me deixar mais forte para o que vai acontecer eventualmente mais tarde. Consigo encarar a vida de um modo diferente desde que isso aconteceu e aprendi a defender-me a mim própria e às minhas opiniões. A vida afecta a todos, e acho que é simplesmente a forma de como lidamos com isso que nos torna diferentes. Toda a gente já perdeu alguém, toda a gente já sofreu por aquele amor não correspondido, toda a gente já chorou noites inteiras, mas isso não dura para sempre, vai haver momentos em que te vais rir tanto que não vais conseguir adormecer, vai aparecer outra pessoa que aquecerá o teu coração ao ponto de o fazer bater mais rápido e mesmo que nada apague uma morte, novas vidas irão surgir.

Scream! - H.S [Em Pausa] Onde histórias criam vida. Descubra agora