Capítulo 26 "CONTRATEMPOS"

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Naquela noite caiu uma chuva forte e entrou água em nossa casa por todos os lados. Veio ainda um mar de lama que cobriu boa parte do quintal e invadiu a cozinha e o quarto. Perdemos o armário, o fogão e quase todos os móveis da sala. Não pude dormir e passamos a noite tentando salvar algumas coisas. Pelo menos o beliche, a geladeira e meus livros escaparam ilesos, e nem sei como. A TV também não foi atingida. Durante o dia, foi só o trabalho de tirar lama e água da casa, "desenterrar" o quintal e reconstruir a cerca. Perdemos três mourões e com isso não deu para colocar a cerca do jeito como era. Muita gente no morro passou por situação igual ou pior, havendo até barracos que caíram inteiros.

Reparei que minha avó trabalhava chorando discretamente e senti uma imensa dor em vê-la sofrer. Ela não costumava demonstrar sentimentos e quando chorava era porque estava muito mal. Eu não era indiferente ao seu sofrimento. Segurando uma pá velha, cheia de lama olhei para minha avó e disse com firmeza:

— Prometo que quando eu me formar e arrumar um bom emprego vou lhe comprar uma casa decente, com uma imensa TV na sala, e a senhora nunca mais vai precisar fazer isso. Prometo! – meus olhos se encheram de lágrimas.

— Você vai – olhou-me emocionada— Mas eu já não estarei aqui para ver; mas de onde estiver sentirei um imenso orgulho de você.

— Não diga isso! Nós vamos ter uma vida melhor.

Ela se aproximou e me tocou no rosto: — Você vai arrumar um bom emprego, ganhar um bom salário, e conhecer todos os lugares que quer. De onde estiver, vou ver isso. – se afastou rapidamente — Mas agora é hora de limpar essa sujeirada toda.

"Eu vou conseguir!" Percebi que esse trabalho duraria o dia inteiro. Liguei para Alex e expliquei nossa situação. Disse que não poderia buscá-la. Ela entendeu e disse que eu não me preocupasse. Todas as atividades normais dos moradores foram suspensas. Estávamos concentrados em arrumar a bagunça, fruto da falta de infra estrutura no morro e do desleixo dos próprios moradores.

Por volta das 14:00h, vovó e eu almoçávamos um sanduíche quando ouvimos a voz de seu Neneco chamando:

— Ô de casa! Visita pra vocês!

— Visita?? Não acredito!

— Deixa que eu vou ver vó.

Levantei-me e fui até o lado de fora. Qual não foi minha surpresa ao dar de cara com Alex, vestindo calça jeans, uma blusinha rosa e calçando um par de tênis cor de rosa. Usava um rabo de cavalo preso em um boné rosa.

— Oi Samantha! Essa menina chegou lá na minha quitanda e daí eu trouxe ela. Pena que escolheu um dia feio pra fazer visita. O Cantagalo está de pernas pro ar.

— Oi Samantha!

Não pude deixar de sorrir.

— Oi querida! – olhei para seu Neneco — Obrigado. Deixe que agora ela tá em casa.

— Até mais! - despediu-se

— Vem aqui sua maluquinha. – estendi a mão para que ela pudesse entrar no meu quintal — Como pode ter vindo? Não pensou no perigo? Além do mais como vou te dar atenção tendo que trabalhar?

— Peguei um táxi e desci no pé do morro. Vi a quitanda fui até lá e aí o moço me trouxe. Eu vim ajudar vocês a trabalhar.

— Tá brincando? Você veio toda linda assim pra mexer em lama? – não pude deixar de rir— Alex, você não tem esse costume e vai se sujar toda. Olha pra mim. Tô nojenta! - Eu vestia calça jeans, tênis preto e camiseta preta. Estava suja e suada.

— Então eu vou sair daqui igual!

Coloquei as mãos na cintura.

— Você me encanta cada vez mais, sabia? – disse em voz baixa

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