Capítulo 77

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"Não te valhas a chamar de acaso

a toda dor que cerque teu caminho,

a vida cobra pelo teu descaso

tornando a flor um pesaroso espinho."

Poucos dias depois eu estava sozinha na sala de trabalho fazendo alguns cálculos. Era além da hora do expediente normal e Alex estava em uma reunião com um casal para tratar sobre um velho imóvel. Seria mais uma daquelas empreitadas em que, após uma boa reforma, vendemos o imóvel por preço bem superior ao da compra.

Na verdade eu trabalhava enquanto a esperava chegar, pois estava ali perto, a duas quadras, e iríamos para casa juntas de carro. No começo de outubro havíamos comprado um Corsa vermelho que Alex tratou de enfeitar com adesivos de bichinhos e dois bonecos de pelúcia pendurados no vidro por ventosas.

Olhei para o relógio e eram oito da noite, em ponto. De repente senti um cansaço e parei. Levantei-me e peguei uma garrafa de água no frigobar. Cheguei à janela e fiquei contemplando a vista. Pensei na vida e algumas lembranças vieram.

"Vovó desabafava comigo sobre sua vida, seu passado.

Olhou para mim. Eu continuava calada e ouvindo atentamente ao que dizia. Sentia muita pena dela.

- Nos primeiros meses foi tranqüilo. Eles moravam aqui em Copacabana e me deram um quartinho. Cuidaram de mim e Marinalva até me ajudou com o enxoval. Eu fazia os serviços domésticos, mas ela me poupava por causa da gravidez. Elisabeth nasceu muito magrinha, muito fraquinha e eu perdi foi sangue no parto. Quase morri, mas recuperei rápido. Dei pra Marinalva e Afonso batizarem a menina. Tudo ia bem, até que dois meses depois do nascimento da criança eles começaram a reclamar do choro dela..."

"Seu Neneco havia ido a nossa casa para me contar um fato estranho que aconteceu.

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- Ontem de noite eu tava preparando pra fechar a minha birosquinha quando me apareceu uma dona, de uns sessenta e poucos anos, gordinha, cabelo curto, óculos e toda vestida de preto. Ela entrou e deu boa noite com uma voz rouca. Aí pegou um lenço, limpou o rosto e me perguntou pela falecida sua avó. Eu então falei do passamento dela, que Deus a tenha – benzeu-se – e a dona ficou chocada. Aí disse que era cumadre da falecida.

- Comadre??? – perguntei chocada – Minha vó nunca falou de nenhuma comadre!

- Pois ela disse que era. Disse que era madrinha da Betinha."

E com essas lembranças me veio a conclusão mais imediata.

"É isso! Marinalva! A prima de vovó!! Ela é a tal comadre..."

Estávamos indo para casa de carro e Alex disse que faltava pouco para fechar negócio com o casal. Depois contei a ela sobre o que deduzi a respeito da tal comadre misteriosa. Eu dirigia e ela vinha a meu lado com a mão na minha coxa.

- Mas se esta é Marinalva ela não pode ter somente os sessenta e poucos anos que seu Neneco falou.

Sorri.

- Seu Neneco tem um pequeno problema com cronologia minha linda. Lembra que ele pensou que você tinha 12 anos? – ri – E isso na minha formatura! – ri de novo

- Tem razão. E eu estava com dezoito... – ela riu também – Mas se essa dona foi atrás de seu Neneco é porque sua mãe sabia como entrar em contato com ela.

- Foi no que pensei, lindinha! – olhei para ela – Será que seu João Rufino poderia ajudar? – voltei a olhar para o trânsito – To pensando em ir falar com ele no sábado.

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