Ao estacionar seu Audi A3 na garagem, Bryan olhou para o painel do carro, onde o relógio marcava uma da manhã. Ele suspirou ao constatar que estava atrasado, pois havia prometido chegar à meia-noite; entretanto, um imprevisto no trabalho não lhe permitira cumprir a promessa. Ele sabia que seria complicado explicar o atraso, mas a notícia que trazia certamente abrandaria sua pena; por isso, relaxou e finalmente saiu do veículo.
Quando chegou à porta, Bryan percebeu que ela já estava aberta. Isso o preocupou, pois Susan não tinha o costume de deixar a porta destrancada. Automaticamente, seus instintos foram ativados, ele sacou sua arma e tirou da mochila uma pequena lanterna. A seguir, entrou devagar, mantendo a lanterna desligada, e ajustou a vista à penumbra para esquadrinhar o local. Notou que as luzes da sala estavam apagadas e que o único cômodo iluminado era a cozinha. Procurando se guiar pela luz que vinha dela, Bryan guardou a lanterna no bolso e dirigiu-se até ali. O cheiro de comida no ar o fez imaginar que encontraria Susan lá, e esperou surpreendê-la.
– Querida, tenho ótimas notí...
Subitamente, Bryan parou de falar ao perceber que ela não estava ali. Chamou-lhe a atenção o forno do fogão aceso, onde a comida agora começava a cheirar a queimado. Ele apressou-se em desligar o forno e saiu para procurar Susan no segundo andar; no entanto, a sensação de que algo estava errado o fez subir a escada lentamente, tateando o corrimão com uma das mãos, enquanto segurava a Glock na outra.
Bastou-lhe chegar à metade do caminho para perceber que o segundo andar também estava quase todo às escuras, menos o banheiro cuja porta ficava de frente para a escada e trazia em suas frestas uma réstia de luz. Lembrando-se de que Susan detestava escuridão, tanto que ele só apagava a luz do quarto após ter certeza de que ela havia adormecido, Bryan pensou no quanto aquilo estava estranho.
Susan sempre dizia que escuridão lembrava morte. E não foram poucas as vezes em que ele levou bronca quando, ao acordar no meio da noite, ela se deparava com o breu do quarto. Essa lembrança fez Bryan sacar rapidamente a lanterna do bolso e ligá-la, deixando de lado a cautela para apressado subir os degraus que faltavam.
Instantes depois, parado ante à porta do banheiro, Bryan sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha, provocando não só um frio inexplicável, mas uma sensação de paralisia em cada músculo de seu corpo. Era como se ele soubesse o que iria encontrar do outro lado. Enfim, o calafrio se foi, os músculos relaxaram, e com a mão trêmula ele girou a maçaneta. Quando a porta se abriu, a grotesca visão que teve o fez gritar instantaneamente.
– Oh, meu Deus, não! – desesperou-se ele, levando as mãos à cabeça.
A reação de Bryan era um reflexo do que via. Deitada na banheira, cujas águas rubras contrastavam com sua pele pálida, Susan trazia o braço esquerdo para fora e um corte profundo no pulso. Horrorizado, Bryan correu até ela, numa tentativa vã de socorrê-la. Foi quando percebeu que o outro pulso também estava ferido. Com sofreguidão, ele a tomou nos braços e sacudiu, mas de nada adiantou. Seus olhos semiabertos não tinham mais vida. Ela já havia partido. Ajoelhado diante da banheira, com uma mistura de raiva e dor tomando conta de seu coração, ele gritou em tom de súplica.
– Pelo amor de Deus, não! Não faça isso comigo!
De repente, um telefone começou a tocar. A princípio, o tom era baixo, abafado, mas sua intensidade foi aumentando. Bryan começou a sentir-se tonto e, ao olhar para as paredes, viu que elas estavam perdendo a cor, ao mesmo tempo em que o banheiro começava a ficar escuro. Logo sua visão ficou embaçada, e ele sentiu uma força estranha puxar seu corpo. Então, num sobressalto, acordou assustado, ainda ouvindo o som de um telefone.
– Esse maldito pesadelo de novo! – exclamou, limpando o suor do rosto.
Mesmo com a visão ainda fora de foco, Bryan percebeu que o toque vinha do celular sobre o criado-mudo. Ao mesmo tempo em que ele se sentia aliviado por ter acordado, mostrava-se irritado por estarem ligando para ele às três da manhã, como mostrava o relógio digital ao lado do celular. Ao tentar pegar o aparelho, sua mão esbarrou nele, fazendo-o cair embaixo da cama. Isso o irritou ainda mais.
O telefone não parava de tocar. E isso fez Bryan praguejar enquanto apoiava seu braço no chão e colocava a cabeça para baixo da cama em busca do aparelho. A luz do visor acesa, indicando a chamada, facilitou seu trabalho. Quando enfim pegou o celular e viu quem ligava, ficou decepcionado. Era Sharon Smith, psicóloga do FBI. Embora aquela não fosse uma ligação que queria estar recebendo, decidiu atender.
– Sharon, isso são horas de me ligar?
Do outro lado da linha, com a voz contrariada, ela se fez ouvir: – Por que não veio à minha casa essa noite?
– Porque eu não estava com vontade – respondeu Bryan, no mesmo tom.
– Escute aqui, Bryan Giuliani, – disse ela, irritada com a resposta que recebeu – se você pensa que pode me tratar dessa forma, você está muito enganado, eu...
Sharon nem teve tempo de concluir, pois Bryan desligou. Poucos segundos depois, o telefone voltou a tocar, mas dessa vez ele não atendeu. Apenas resmungou sobre o que fizera para merecer aquilo. Na verdade, eles estavam tendo um caso há alguns meses, o qual Bryan iniciara apenas como forma de curar uma ferida que teimava em ficar aberta. Porém, com o passar do tempo, Sharon mostrou-se uma mulher controladora, que tentava fazer daquela relação um compromisso que claramente ele não queria. O som insistente do telefone o fez se levantar e ir à cozinha, enquanto pensava numa forma de terminar aquela relação de uma vez por todas; pois, apesar de estar evitando Sharon o máximo possível, ela parecia não estar entendendo a mensagem.
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Sagrada Maldade - Caçada aos Multiplicadores
Mystery / ThrillerEm 1975, num pobre vilarejo da Etiópia, dois misteriosos homens recrutam um jovem para uma enigmática e ambiciosa experiência. Porém, algo sai errado, e o resultado desse experimento é o maior vírus da história da humanidade. Quase quarenta anos dep...