Capítulo 04 - Implosão x Explosão - Parte 1

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San Francisco – 11h21min

Quando abriu os olhos, após recobrar a consciência, Evan percebeu que estava com a visão embaçada. Com o queixo pressionado contra o peito, ele não conseguia ver com clareza os próprios pés. Mas, embora desorientado, Evan sabia onde estava e o que havia acontecido. E isso o fez se lembrar de Hakim. Erguendo a cabeça, ele procurou por seu algoz, mas tudo que conseguiu ver foram objetos borrados, impossíveis de distinguir. Piscando os olhos para recobrar o foco, ele moveu a cabeça para a direita e teve uma breve e estranha sensação de flutuar, bruscamente interrompida por um impacto na sua face esquerda. De imediato, ele pensou que fora golpeado por Hakim, e sua primeira reação foi fechar os olhos como se não quisesse ver o que se seguiria. No entanto, nada aconteceu. Apenas silêncio e imobilidade reinavam no local.

Com a consciência mais lúcida, Evan já conseguia sentir sua cabeça. Esta, por sinal, doía muito, deixando-o em dúvida se era um efeito colateral do anestésico ou resultante do golpe que pensava ter recebido. Quanto ao restante do corpo, parecia-lhe estar desligado e com os músculos adormecidos, o que devia ser consequência das duas sedações seguidas num curto intervalo de tempo. A sensação era horrível, era como se ele estivesse preso dentro de si mesmo, pensou Evan. Subitamente, um estranho odor invadiu-lhe as narinas. Era um cheiro desagradável que ele levou alguns segundos para reconhecer; porém, quando o fez, logo se assustou. Era cheiro de carne queimada. Dominado por uma onda de angústia, Evan sentiu o peito arfar com a respiração que se acelerou. – Ele está me queimando vivo! – pensou.

Seus olhos se abriram. Surpreso, ele notou que o foco de sua visão voltara ao normal e viu a sala ganhar forma diante de si. Algo, porém, estava errado. A sala estava num inusitado ângulo de 45 graus. De novo, Evan piscou uma, duas, várias vezes, até ter certeza de não estar sofrendo uma alucinação, mas não adiantou. A sala estava mesmo num ângulo diferente. No ar, o odor de queimado perdurava, levando-o a torcer para que não fosse o cheiro de sua própria pele. Pensamentos ruins assolaram-lhe a mente, e ele imaginou-se sendo marcado a ferro como um boi. Horrorizou-se também com a possibilidade de Hakim ter derramado sobre ele algum líquido inflamável e ateado fogo. Evan até conseguia imaginar seu algoz ali, quieto, apenas observando e divertindo-se com a situação. – O que você está fazendo comigo, seu doente? – Evan tentou gritar, mas apenas sussurros saíram de sua boca.

Engasgado com as próprias palavras, seu pavor aumentou. A angústia comprimia seu coração, sufocando-o até que, de repente, o resto de seu corpo voltou a dar sinais de sensibilidade. Ele passou a sentir de novo os braços, as pernas e o peito. Foi quando percebeu que seu corpo estava apoiado em algo. Tentou mexer-se e descobriu, surpreso, que os braços, antes algemados, estavam agora livres. Isso o deixou mais calmo. Sentiu o ar enchendo-lhe os pulmões, e a sensação de asfixia desapareceu dando lugar à sensação de liberdade. Todavia, o cheiro desagradável persistia e com ele o temor de achar que sua pele estava sendo queimada.

Esforçando-se, Evan conseguiu rolar o corpo até ficar deitado de barriga para cima. A primeira coisa que viu foi o ventilador de teto desligado. Só então percebeu que não estava mais na cadeira. Encontrava-se deitado no chão da sala. Mas, se ele estava livre, onde estaria Hakim? Virando a cabeça para os lados, à procura de seu captor, percebeu que Hakim não estava ali. Outra coisa, porém, estava. Evan enfim descobriu de onde vinha o cheiro de queimado, e uma sensação de alívio percorreu-lhe o corpo. Não fora sua pele quem torrara, mas sim o bife da noite anterior que ele deixara tostar quando estava no banho, e que desistira de comer, arrastando o prato para baixo do sofá. Agora, além de aliviado, Evan sentia-se ridículo, permitindo-se até rir do fato.

Segundos depois, ele já estava sentado com as costas apoiadas no sofá e os braços estendidos ao lado do corpo. Ainda se sentia tonto, mas precisava saber se estava realmente seguro, ou se Hakim ainda estaria em algum lugar do apartamento. Foi quando apoiou a mão direita no solo, para tentar se levantar, que sentiu uma pequena fisgada no braço. Ao olhar o que era, viu um pequeno filete de sangue escorrendo pelo antebraço, enquanto uma seringa, que acabara de cair do seu braço, repousava no carpete. A princípio, ele imaginou se tratar da seringa que Hakim usou para sedá-lo; porém, quando se lembrou de que o outro aplicara o sedativo em seu pescoço, a preocupação voltou instantaneamente. Apoiando-se no sofá, Evan pôs-se de pé e arriscou-se, mesmo cambaleando, a percorrer a pequena distância que separava a sala do banheiro. A intenção dele era chegar à pia e lavar o braço para limpar o sangue. Porém, ao abrir a porta, seus olhos se fixaram no espelho, e o que viu ali o deixou completamente atônito. Hakim deixara um recado. E Evan mal acreditou no que estava lendo.


Sagrada Maldade - Caçada aos MultiplicadoresOnde histórias criam vida. Descubra agora