Capítulo 06 - O Primeiro Suspeito - Parte 4

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Beverly Hills 13h43min

Somente a tela do computador iluminava o ambiente onde ele estava.  Sentado à cadeira, George manuseava um porta-retrato tão vazio quanto o seu olhar. De repente, como se um estalo o despertasse de sua letargia, ele desprendeu a parte traseira do objeto e abriu uma das gavetas da sua mesa, de onde retirou uma fotografia. Depois, com muito cuidado, George a colocou no porta-retrato e repôs a tampa do objeto, colocando-o ao lado do teclado do computador. – Assim está bem melhor! – exclamou.
Logo a seguir, ele dirigiu o olhar para o monitor, onde uma senha era pedida. Após digitá-la, e a área de trabalho do computador se abrir, uma pasta lhe chamou a atenção: Pragas. Ele clicou sobre ela com força, e assim que ela se abriu vários arquivos preencheram a tela, mas o interesse dele estava em apenas um.  O arquivo denominado Catedral. Dois cliques depois, a planta baixa de uma imensa igreja se abriu na tela, e o olhar do homem pareceu hipnotizado pelo monitor. Cada detalhe do local era visto com máxima atenção, como se seus olhos fossem uma câmera ligada, gravando cada ponto vermelho marcado naquela planta.
Junto ao altar havia um ponto rubro que superava os demais em tamanho. E os olhos de George brilharam assim que o viu. Com um sorriso de satisfação, ele olhou de relance para um calendário e fitou a imagem no porta-retrato para a qual sussurrou: – Está chegando o dia, minha querida. O dia em que eles irão entender que essa irresponsabilidade merece ser castigada.
Após beber um generoso gole de vodca, ele colocou o arquivo para imprimir e levantou-se para ir até a impressora. Porém, uma batida na porta, seguida por uma voz que ele bem conhecia, fê-lo deter-se.
– George, você está aí, querido?
– Estou sim, Anne. Já vou abrir a porta – disse mansamente.
Ele abriu a porta fazendo menção de que iria deixar a biblioteca, mas Anne foi mais rápida e entrou primeiro, quase tropeçando em seu longo vestido branco.
– O que você faz aqui, George? E de novo de luzes apagadas?! – disse ela, tocando no interruptor. Assim que as luzes se acenderam, Anne viu o copo de vodca sobre a mesa e logo reagiu: – Está bebendo de novo? – questionou, recriminando-o com o olhar.
– Querida, eu só precisava relaxar um pouco – disse ele, tentando justificar-se.
Anne caminhou em direção à mesa e pegou o copo. George respirou fundo, aliviado por ter desligado o monitor ao levantar-se. Ele sabia que ela jamais entenderia seus motivos, caso visse o arquivo que acabara de imprimir.
– Por que você precisa tanto disso para relaxar? – ela indagou, mostrando o copo. – E o que você faz tanto nessa biblioteca ultimamente?
George não soube o que dizer. E isso foi suficiente para acender em Anne uma fagulha de suspeita. – Você está me traindo, George? – ela olhou fria e seriamente para ele. – Você tem outra?
Duplamente surpreso, tanto pela pergunta da mulher, quanto por se permitir rir da situação, George enfim respondeu: – Não seja boba, Anne Banks. Se há alguma coisa nessa vida da qual eu posso me orgulhar é o fato de nunca tê-la traído – disse ele, com sinceridade.
Anne ameaçou um sorriso diante da declaração do marido, mas se conteve, mantendo um semblante sério, enquanto seus olhos percorriam toda a biblioteca e indagando mais uma vez: – Então o que tanto você faz trancado aqui?
Temendo que a esposa averiguasse o computador ou a impressora, George decidiu que teria de tirá-la dali o mais rápido possível. Por isso, improvisou: – A verdade é que ainda sofro muito por nossa perda, Anne – disse ele, tomando a esposa pelas mãos. – Mas não quero ficar expondo meu sofrimento a você, pois sei o quanto você tem lutado para se recuperar.
A resposta do marido emocionou Anne. Ela sabia o tamanho da dor que George carregava em virtude da desgraça que ocorrera naquela casa. Mas acima de tudo, ela sabia que o marido ainda não conseguira superar. Então, carinhosamente, ela o abraçou. – Ah, meu querido, eu sei o quanto você está sofrendo! Mas agora só temos um ao outro – disse, com ternura. – Temos de nos apoiar mais do que nunca.
George sentiu-se culpado por não estar sendo totalmente honesto com a mulher, mas, ao mesmo tempo, sentiu-se confortado por saber que ela compreendia tão bem a dor que ele sentia. – Você tem razão, Anne. Eu preciso muito de você – disse ele, tentando segurar a lágrima que nascia no canto do olho.  – Mas agora vamos descer. Chega de me esconder aqui.
Rapidamente, Anne se desvencilhou do abraço do marido e, tomando-o pela mão, aprovou sua ideia. – Vamos sim, querido. Ficar aqui não lhe faz bem, muito pelo contrário.
George deixou-se ser conduzido por ela. Ambos deixaram a biblioteca e foram em direção à escada. No caminho, Anne mudou de assunto: – Estive pensando em convidarmos os Wilson para jantar. Desde aquele dia terrível, nunca mais convidamos ninguém à nossa casa. E os Wilson sempre foram tão solidários com a gente.
– Perdão, Anne. Mas não sei se é uma boa ideia – disse George automaticamente, mal prestando atenção ao que ela dizia, pois seus pensamentos ainda estavam na biblioteca.  – Preciso voltar lá. Tenho de desligar o computador e pegar aquela impressão.
– Entendo que você queira ficar recluso, querido. Contudo, acho que está na hora de resgatarmos nossas amizades – disse ela, tentando convencê-lo a aceitar.
Diante da escada, George interrompeu-a: – Anne, preciso voltar à biblioteca para pegar meu celular. Desça e me espere na sala, que conversaremos melhor sobre esse assunto.
Para alívio dele, Anne acatou a sugestão e desceu a escada sozinha. Assim que ela atingiu a metade dos degraus, George apurou o passo rumo à biblioteca. Ele tinha pressa e mal entrou já foi fechando a porta atrás de si. Depois, foi até o computador e o desligou. Em seguida, pegou um envelope, no qual guardou a página tirada da impressora, e deixou a biblioteca. Foi quando seu telefone tocou. Atendendo-o, ouviu Evan perguntar:
– Preciso confirmar o encontro, senhor. Está tudo certo para hoje à tarde?
– Tudo! – confirmou George. – No local de sempre, às 17 horas.
– Estarei lá – disse Evan, desligando a seguir.

Após guardar o telefone no bolso do casaco, George desceu acelerado pelos degraus da escada. No térreo, ele olhou de relance para a mulher que o aguardava sentada no sofá, e aproveitando-se que ela estava desapercebida, esgueirou-se para a porta de serviço, murmurando num lamento: – Sinto muito, Anne, mas algo mais importante me espera.

Sagrada Maldade - Caçada aos MultiplicadoresOnde histórias criam vida. Descubra agora