Capítulo 02 - Dor e Raiva - Parte 3

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San Francisco – 04h48min

Andando pelo apartamento escuro, ele estava inquieto, nem o banho frio o ajudara a relaxar. O trabalho fora executado, mas não do modo planejado nas ultimas três semanas. Era para ter sido um trabalho limpo, mas um elemento inesperado alterou tudo. Vendo que não conseguiria dormir, ele decidiu comer algo. Rumou à cozinha e tirou da geladeira uns bifes que comprara mais cedo e uma cerveja. Após colocar os bifes para assar, ele avistou a pasta que trouxera consigo sobre a mesa e decidiu examiná-la. A garrafa de cerveja se foi em três generosos goles que ele mal degustou, tão empolgado estava em folhear os arquivos. À medida que os lia, ele sentia uma onda crescente de satisfação, pois tudo que precisava recuperar estava ali e, ao que tudo indicava, ele seria o último a ver aquelas informações.

A cada folha, ele percebia o quão importante era ter posto a mão naquele dossiê. Estava tudo ali, desde o planejamento até a execução. Sinal de que alguém havia falado demais, alguém traíra a causa pela qual eles haviam sido recrutados. Mas quem? Por pior que isso fosse, havia algo que o preocupava mais: o arranhão no lado direito de seu rosto, que o lembrava a todo instante do erro cometido. Um erro que mais cedo ou mais tarde poderia denunciá-lo. No entanto, ele omitira isso ao chefe, pois já decidira que qual fosse a consequência ele enfrentaria sozinho. Seu erro poderia implicá-lo, mas apenas a ele, pois jamais denunciaria seus companheiros e muito menos seu chefe.

05h15min 

Desde quando deixaram o local do crime, Jerry dirigia tendo como companhia um Bryan taciturno. Conhecendo bem este, Jerry sabia que o silêncio era a melhor opção naquele momento. Eles haviam enfrentado perdas no Iraque, onde amigos se foram para sempre, e a reação de Bryan seguia sempre o mesmo roteiro. Primeiro, a dor misturada com a raiva; depois, o recolhimento, a introversão total. Entretanto, agora era pior, pois se tratava da perda de um irmão, era um laço familiar em vez de companheiros de farda. Cabia a Jerry apenas esperar até que Bryan resolvesse falar.

Quando fizeram uma pequena parada para abastecer o carro, Bryan finalmente falou: – Temos de ir ao apartamento de Kevin!

– O quê? – perguntou Jerry, surpreso.

– Pode haver alguma pista lá – Bryan explicou.

– Pode ser que sim, mas isso é um trabalho para Vincent.

– Eu sei, mas ele está na cena do crime agora. E se o assassino estiver no apartamento para acabar com alguma pista?

– Não acho uma boa ideia – Jerry retrucou. – Não somos peritos, podemos acabar destruindo provas, ao invés de encontrar alguma.

A lógica de Jerry irritou Bryan que esbravejou: – Se não quiser ir, desça do carro, pois eu irei até lá.

Compreendendo a reação de Bryan e sabendo que nada o faria mudar de ideia, Jerry assentiu: – Ok. Eu vou com você – falou enquanto ligava o motor, dando a partida.

Ao saírem do posto, o silêncio voltou a reinar até que, num sobressalto, Jerry pisou no freio, fazendo os pneus do A3 cantarem no asfalto. Contido pelo cinto de segurança, Bryan não se machucou, mas falou assustado: – O que você pensa que está fazendo?

– Você falou com Anthony e Nora? – Jerry devolveu uma pergunta.

– Que há com nossos pais? – questionou Bryan.

Jerry não precisou responder para Bryan se dar conta de que nem ele nem Jerry se lembraram de contatar seus pais. Embora não chamasse Nora e Anthony de pais, Jerry os amava como se fossem. O fato era que os pais de Bryan e de Jerry se tornaram vizinhos quando estes eram bebês. Isso fez com que eles convivessem, criando uma amizade que só se fortaleceu com o passar do tempo, principalmente, após a tragédia. Certa noite, quando Jerry estava com dez anos, seus pais foram a um dos eventos que costumavam comparecer devido à sua posição social. Ricos e filantropos, eles haviam ido a um leilão beneficente e deixaram Jerry na casa de Nora. Mais tarde, a polícia bateu à porta dos Giuliani com uma triste notícia. Os pais de Jerry haviam sofrido um acidente de carro e nem um dos dois sobreviveu. Jerry, que não tinha parentes próximos, oficialmente se tornara órfão. Mas por pouco tempo; pois Nora decidiu que lutaria pela guarda do menino e não o deixaria lançado à própria sorte.

Graças a um amigo de Anthony que se tornara político, após voltar da guerra do Golfo, eles conseguiram a guarda provisória de Jerry e, alguns meses depois, a adoção definitiva. Conforme os anos se passaram, os laços entre eles se estreitaram cada vez mais. Nora não fazia distinção nenhuma entre Jerry e seus filhos, e embora Anthony passasse pouco tempo em casa, também sempre tratava Jerry como parte da família.

Dando-se conta de que precisavam avisar aos pais, Bryan falou: – Precisamos falar com eles logo. Eles vieram passar o feriado aqui e estão no Ramada Plaza Hotel.

– E como vamos contar o que aconteceu? – Jerry indagou.

– Não sei, mas acharemos um jeito. É melhor saberem por nós do que pelo diretor.

Assentindo com a cabeça, Jerry fez o retorno e acelerou rumo a Santa Mônica.


Sagrada Maldade - Caçada aos MultiplicadoresOnde histórias criam vida. Descubra agora