Capítulo 02 - Dor e Raiva - Parte 4

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San Diego – 06h02min   

O toque do telefone o fez abandonar o banho na metade. Enrolando-se numa toalha, ele correu até a sala para atender: – Alô! – disse, um pouco ofegante.

– Alô, Hakim. Você recebeu meu envelope?

– Recebi. Obrigado, Charlize.

– Já olhou?

– Ainda não, eu estava no banho.

– Olhe logo – disse ela, com certa urgência.

Percebendo o tom de voz dela, ele abriu um envelope onde havia vários recortes de jornal. Ao ver do que se tratava, ele franziu o sobrecenho, mas não disse palavra alguma. Do outro lado da linha, inquieta com o silêncio dele, ela perguntou: – E aí, viu?

– Estou vendo – respondeu, com os olhos concentrados nos recortes.

– Eles estão chegando perto, Hakim.

– Eu sei, mas isso vai acabar. Em alguns dias, tudo virá à tona, e essa sujeira será finalmente exposta – a voz dele demonstrava confiança.

– Tem certeza? – questionou ela, aflita. – Não acha que é hora de ir embora?

– Não posso fazer isso, Charlize – disse ele. – Eu fiz uma promessa.

Percebendo que não conseguiria convencê-lo, ela pediu: – Tenha cuidado.

– Vou ter. E quando tudo acabar, iremos viajar – concluiu, desligando o telefone.

Ao largar o envelope sobre a mesa, Hakim se pôs a analisar a conversa com Charlize. Era claro que o risco do qual ela falou era grande e cada vez chegava mais próximo à porta dele; por outro lado, seu contato poderia colocá-lo em vantagem, fazendo-o passar de caça a caçador. E isso o deixava entusiasmado, confiante de que o risco valeria à pena.

Com seu plano já em curso, uma nova ideia surgiu. Ele abriu uma pequena bolsa e retirou o que havia dentro dela: um álbum de fotografias, uma arma, um cadarço, uma seringa e algo que parecia um diário. A princípio, Hakim se concentrou no álbum de fotografias. Conforme o folheava, várias fotos de homens se sucediam. Ele olhava-as com muita atenção, como se procurasse uma imagem específica; porém, ao chegar ao fim do álbum, suspirou, decepcionado. Não havia encontrado o que procurava.

Sentindo um peso nos olhos, devido ao fato de não ter dormido ainda até aquela hora, ele levou uma das mãos ao rosto e coçou os olhos. Depois, lançou-se sobre um velho sofá marrom ao lado da mesa. Esparramado ali, resolveu fazer uma nova tentativa, pois talvez o sono tivesse atrapalhado sua busca. Folheou novamente o álbum e, ao virar duas páginas, pousou o olhar sobre uma fotografia e sorriu. Era exatamente o que ele procurava.

Curiosamente, aquela imagem estava ao lado da única foto rabiscada no álbum. A foto fora marcada com um grande X feito à caneta vermelha. Era a última imagem que ele procurara naquele álbum, seis meses atrás. Agora, colocando um dos dedos sobre a foto encontrada, ele falou: – Que ironia! Tanta procura e você estava aí do ladinho do outro.

Depois de fechar o álbum e largá-lo na mesa, Hakim pegou a arma, verificou se o pente dela estava cheio e o recolocou na Glock 9mm. A arma se tornara indispensável nos últimos meses, principalmente depois que o cerco começou a se fechar; porém, ela só era usada em casos de extrema necessidade. Após conferir a seringa ainda embalada e enrolar o cadarço, ele guardou tudo em sua bolsa e levantou-se rumo ao banheiro para terminar seu banho. Minutos depois, vestindo uma calça jeans, uma camisa azul clara e um longo casaco, Hakim parou diante da porta, com a bolsa atravessada sobre o peito, olhando para o quarto de hotel de segunda em que se hospedara, e um pensamento cruzou sua cabeça: – Mais um quarto...

Já saindo, ele se lembrou de algo que o fez voltar. O diário que tirara da bolsa. Após pegá-lo, saiu em direção às escadas, enquanto falava para si mesmo: – Quase que esqueço. Mas, agora sim, agora é hora de pegar mais um daqueles cretinos.

07h23min  

Situado em Santa Mônica, perto da praia, o Ramada Plaza Hotel era o local preferido de muita gente por ficar próximo ao Aeroporto Internacional de Los Angeles. Ao chegarem lá, Bryan e Jerry notaram que nem o frio daquele fim de outono afastara os turistas. Pela quantidade de gente que transitava no saguão, o hotel parecia estar lotado, o que se confirmou quando os dois se dirigiram à recepção, onde uma atendente informava pelo telefone que não havia mais vagas.

Tão logo ela desligou, dirigiu-se aos recém-chegados: – Bom dia. Bem-vindos ao Ramada Plaza Hotel! Em que posso ajudá-los?

Apesar de as circunstâncias estarem fazendo daquele um terrível dia, Bryan retribuiu a gentileza: – Bom dia, meu nome é Bryan Giuliani, e procuro por meus pais, Anthony e Nora Giuliani.

Ao ouvir Bryan, a recepcionista arregalou os olhos e perguntou: – O senhor é filho de Nora Giuliani?

Notando algo de errado na expressão da mulher, Bryan ficou preocupado: – Por quê? O que tem a minha mãe?

– Lamento muito, senhor – respondeu ela, com cautela. – Mas sua mãe teve um mal súbito, e uma ambulância acabou de levá-la para um hospital.

Depois disso, Bryan não ouviu mais nada. Sua visão escureceu, e seu corpo foi ao solo, sem que Jerry tivesse tempo de impedir a queda. Minutos depois, Bryan despertou no sofá da recepção e, ainda zonzo, viu Jerry vindo em sua direção e perguntou, visivelmente angustiado: – O que houve com minha mãe?

– Liguei para Anthony, e ele disse que ela está em observação no Kindred Hospital. Porém, algo estranho ocorreu aqui. No caminho eu lhe conto.

– Então vamos logo pra lá – disse Bryan, levantando-se do sofá e caminhando em direção à saída do hotel.

Já dentro do carro, com Bryan ao seu lado, Jerry acelerou pela Santa Monica Boulevard em direção a West Slauson Avenue, onde ficava o Kindred Hospital.


Sagrada Maldade - Caçada aos MultiplicadoresOnde histórias criam vida. Descubra agora