Capítulo 05 - Suspensão - Parte 1

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San Francisco – 12h27min

O estado caótico do apartamento tinha uma razão. Era resultado direto da mensagem que Evan lera no espelho: "Qual é a sensação de se transformar naquilo que você tanto odeia? Você agora é um de nós!"

De início, Evan não queria acreditar que aquilo estava acontecendo com ele. Em seguida, veio a revolta. E ele passou a descontar sua ira em tudo que via pela frente. O primeiro alvo foi o próprio espelho, no qual desferiu vários socos. Era como se quisesse apagar a mensagem, na esperança de também dissipar seu efeito. Se aquelas palavras significassem o que ele imaginava, estaria traçado em seu destino que ele caíra em desgraça. Sem ligar para a dor e o sangue que lhe escorria pelos dedos, Evan dirigiu-se à sala, tão transtornado que sentiu a necessidade de rebater sua ira em algo físico, revirando móveis e objetos e até mesmo quebrando alguns deles.

Agora, sentado no chão da sala, ele refletia nas implicações que aquela mensagem, caso confirmada sua suspeita, traria à sua vida. – E agora o que eu faço? – pensou. – E se o general descobrir? – Instantaneamente, uma lembrança lhe veio à cabeça.

Deserto de Moojave – 2 meses atrás 

O maior cemitério de aviões dos Estados Unidos fora escolhido como o local do encontro. O grupo, composto por cinquenta e um homens, estava agrupado em meio aos aviões e aguardava com ansiedade a chegada daquele que os contratara. Curiosamente, todos estavam vestidos quase da mesma forma. De bermudas, camisetas havaianas e com câmeras digitais penduradas no pescoço. Qualquer um que os visse diria que eram turistas. Alguns disfarçadamente tiravam fotos, enquanto se certificavam de não haver mais ninguém no local. Outros, confusos, transitavam por ali receosos, indagando-se sobre a razão daquele encontro.

Escorado na carcaça de um avião e usando óculos escuros, Evan aparentemente era o mais tranquilo. Quieto, ele não demonstrava a mesma ansiedade dos outros e até olhava para os colegas com certo desdém. Numa postura típica de alguém avesso a reuniões, Evan os observava entediado e desejoso de ir logo embora. De repente, notou que os companheiros se agitaram, curiosos, ao olharem para o sul. Ele olhou na mesma direção e viu um carro preto que se aproximava do local. Evan tirou os óculos, guardou-o no bolso e caminhou em direção ao grupo. Instantes depois, um furgão preto com placas de Los Angeles estacionava diante deles, trazendo consigo uma boa dose de poeira.

Assim que a poeira baixou, os homens fixaram o olhar na porta lateral do furgão. Dele saíram dois homens que, embora não fossem gêmeos, ostentavam uma carranca que os deixava muito parecidos um com o outro. Eles também usavam bermudas e camisetas havaianas, além de carregarem uma maquina fotográfica digital. Depois foi a vez de um homem, trajando um abrigo esporte, saltar do veículo. Na mão direita, ele carregava uma bengala de madeira nobre com o monograma G.B. desenhado no castão de prata de lei; na esquerda, trazia um charuto ainda não aceso. Todos olharam surpresos para ele, menos Evan.

O homem fitou aqueles que o aguardavam, analisando-os um a um. Todos permaneceram em silêncio, num misto de curiosidade e ansiedade crescente à proporção que o homem também permanecia calado. De súbito, ele reconheceu Evan e o chamou com um sinal. Este logo atendeu, e os dois se afastaram do grupo, trocando algumas palavras.

– Está tudo pronto? – o homem questionou.

– Sim, tudo conforme o combinado – respondeu Evan.

– Alguma chance de surpresa?

– Não, senhor.

– Muito bom! – disse o homem, satisfeito. – Então vamos logo ao que interessa.

Evan se afastou do homem e gritou ao grupo: – Formem um semicírculo!

Embora os colegas não enxergassem em Evan a figura de um líder, eles estavam curiosos demais para questionar e de pronto obedeceram. A seguir, o homem se aproximou enquanto os dois homens que o acompanhavam se posicionaram sorrateiramente atrás do grupo. Enfim, ele dirigiu a palavra aos ansiosos.

– Creio que todos já me conhecem, mas ainda não sabem o motivo pelo qual foram chamados até aqui. Chegou a hora de explicar – disse ele, jogando a bengala no chão e colocando o charuto no bolso. – Todos vocês possuem uma particularidade: fizeram parte da maior instituição americana. E embora o contingente seja bem maior, apenas vocês foram chamados para esse encontro. Há duas razões para isso.

Evan tinha conhecimento de ambas.

– A primeira – o homem continuou a explicar – é que vocês estão aqui por terem se destacado em tudo o que foi feito até agora. E apesar de ter sido um mero treinamento perto do que está por vir, esse destaque lhes deu um importante papel daqui pra frente. A partir de agora, vocês serão responsáveis pelo planejamento e pela preparação dos grupos em cada um dos estados onde estão designados.

Todos os homens se entreolharam, claramente satisfeitos, antes de o homem prosseguir: – E a segunda razão da presença de vocês aqui se deve à demonstração que farei, na qual ficará clara a importância da confiança mútua como algo imprescindível àquilo que estamos prestes a realizar.


Sagrada Maldade - Caçada aos MultiplicadoresOnde histórias criam vida. Descubra agora