Capítulo 07 - Amargas Lembranças - Parte 6

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George parecia estar imaginando a cena. Pior, deliciando-se com ela, pois quando se deu conta estava sorrindo. Ele então se recompôs e perguntou: – E isso causou sua expulsão, não é mesmo?

– Sim, mas ainda posso dizer que acabei saindo no lucro. Como na época essas bichas malditas não eram admitidas no exército, o alto escalão, tentando evitar um escândalo, optou apenas por nos expulsar, sem levar isso ao tribunal.

– Você se arrepende do que fez? – perguntou George.

– Só me arrependo de não ter sido mais rápido, senhor. Em vez de espancá-lo, eu deveria era ter quebrado logo o pescoço daquele veado!

A frieza de Evan e sua resposta fizeram George vibrar por dentro. Se porventura havia nele alguma dúvida em escolher Evan como seu braço direito para o que estava por vir, essa dúvida se dissipara naquele momento. No entanto, após todas as revelações que Evan fizera, ainda tinha algo que George precisava saber.

– Evan, fico feliz por você ter compartilhado sua história comigo. Mas você conseguirá manter o foco diante da magnitude do que estamos para fazer?

– Claro que sim, senhor. A busca pelo maldito ficará para depois.

– Você já sabe o que fazer. Encontre-se com Gibson, e façam o trabalho na igreja.

– Certo, senhor – disse Evan, ameaçando levantar-se.

– Ei, não está se esquecendo de nada?

Evan olhou para o nada como se pensasse naquela pergunta. Vendo que o subordinado esquecera o motivo principal do encontro, George refrescou-lhe a memória: – O dossiê, homem! Pode me entregar agora.

Aquela frase petrificou o corpo de Evan, impedindo-o de se levantar da poltrona. Era como se ele houvesse se transformado num imenso e pesado bloco de concreto. De sua boca não brotava uma única palavra. Os olhos, porém, mantinham-se lúcidos enquanto ele observava o chefe.

George surpreendeu-se com a reação do outro, mas achando que ele ainda estava sob efeito da emoção da história recém-contada, deu-lhe mais alguns segundos antes de repetir a solicitação: – Acorde, homem! Dê-me logo o dossiê!

Evan deu uma rápida olhada para a porta do avião, calculando mentalmente suas chances de escapar. No fundo, porém, sabia que seria impossível deixar o lugar sem resolver aquela terrível situação. Por isso, mesmo incerto se estava tomando uma atitude inteligente ou de extrema burrice, deixou as palavras fluírem: – Eu não estou com o dossiê, senhor.

O que aconteceu depois pegou Evan de surpresa. George levantou-se da poltrona num sobressalto e sacou a arma que trazia escondida sobre a roupa, encostando o cano entre os olhos do empregado. – Que você está dizendo, seu filho de um veado!? – George apertou o cano da arma contra Evan. – O que você fez com aquele dossiê? Está pensando em me trair?

O susto fez Evan se agarrar com tanta força na poltrona que ele ouviu os ossos de seus dedos estalarem. Os músculos completamente retesados mais o temor pela própria vida impediram-no de tentar uma reação. Ele suava frio enquanto tentava pensar numa resposta que aliviasse a fúria do patrão.

– Eu queimei o dossiê! – mentiu.

– Queimou? – perguntou George, surpreso, afastando um pouco a arma. Não convencido, porém, ele esbravejou: – Não minta pra mim, seu saco de bosta!

Evan não tinha dúvida de que aquele era o momento mais crítico de sua vida. Nem mesmo na guerra do Iraque ele havia sentido tanto medo. Estando agora ali, sob a mira da arma do general, todo cuidado com as palavras se fazia necessário, pois bastava uma resposta errada para sua vida acabar em segundos.

– Foi necessário, senhor – disse Evan, tentando controlar o nervosismo. – Hakim me encontrou e queria recuperar os documentos. Tivemos uma baita briga, e para impedi-lo de obter o dossiê de volta só me restou queimá-lo.

– O quê!? Então foi assim que você ganhou esses ferimentos! – perplexo, o general nem notou ter baixado de vez a arma. – Mas como aquele desgraçado o encontrou?

– Suspeito que ele tenha me seguido logo após eu ter apagado o jornalista – disse Evan, mais aliviado ao ver o chefe com a arma apontada para o chão.

George deu as costas a Evan por um momento, como se precisasse de um tempo para pensar. Segundos depois, no entanto, ele se virou, encarou Evan e lhe perguntou: – Diga-me uma coisa, Evan. Se você teve que queimar o dossiê, isso significa que você esteve em desvantagem contra aquele filho da mãe. Como você está aqui, são e salvo na minha frente?

Evan sentiu-se terrivelmente acuado com aquela pergunta. Era como se estivesse num jogo de xadrez, pensando ter feito uma boa jogada, até se dar conta de que estava diante de um jogador bem mais experiente. Agora, ele estava em xeque e não fazia ideia de seu próximo lance. Percebendo a demora de Evan, George se impacientou: – Responda logo a minha pergunta, soldado!

– Nem eu mesmo sei, senhor – arriscou-se Evan. – Foi tudo muito rápido, só me lembro da luta, dos golpes no meu rosto e de eu conseguir me desvencilhar dele. Depois, só me lembro de queimar o dossiê; pois, caso ele me encontrasse, ao menos os planos do senhor estariam seguros.

George manteve-se quieto, observando o rosto de Evan, onde os ferimentos que ele já havia notado pareciam dar credibilidade àquela história. Ainda assim algo parecia estar errado. Sem atinar se era por instinto ou apenas descrença, George não se convenceu com aquela explicação e num rompante inesperado voltou a pressionar a arma, desta vez contra a testa de Evan, enquanto gritava: – Você acha que me engana, seu merda! Você se juntou a ele e está tentando me ferrar? – George parecia que poderia atirar a qualquer momento.

Evan não estava mais aguentando aquela situação. Então, num surto de coragem ou insanidade, resolveu arriscar-se e encarar o perigo. Com um movimento brusco, ele agarrou o cano da arma, surpreendendo George, e a seguir também começou a gritar: – O senhor quer me matar? Quer me matar? – Evan pressionou com força o cano da arma contra a própria testa, enquanto encarava George. – Então me mate logo, porra! Atire de uma vez! Mas saiba que, ao puxar esse gatilho, estará perdendo o soldado mais fiel que o senhor poderia ter. Eu jamais o trairia, pois o senhor foi o único a me estender a mão quando eu estava no fundo do poço. Agora, se realmente duvida de minha lealdade, então atire logo!


Sagrada Maldade - Caçada aos MultiplicadoresOnde histórias criam vida. Descubra agora