2- Os vizinhos

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dedicado à RhychardBritto

                     
                              Dora

Quando eu era pequena, tia Sophia me ensinou que, quando se deseja um bom dia, ele tem que ser de coração, pois sua energia positiva pode trazer alegria à alguém.

   Minha tia é a favor da política da boa vizinhança, e como uma sobrinha exemplar, seguidora de seus conselhos e ensinamentos, sorrio e aceno para o vizinho. O garoto veste roupas típicas de motoqueiro. Pela distância que estamos, não consigo ver os detalhes do seu rosto, como a cor dos olhos, mas é o bastante para notar sua estatura mediana, o corte de cabelo no estilo militar, seu peitoral e braços fibrosos. De longe o garoto aparenta ser afável, mas, a afabilidade fica na aparência, pois ele põe o capacete, sobe na moto e vai embora sem retribuir o cumprimento.

   Marcho pisando duro até a calçada. Não acredito que algo do tipo aconteceu comigo. Logo comigo! Não posso dizer que sou uma pessoa sociável, e quando tento ser, sou retribuída dessa forma?!

   Fecho as mãos em punho para aliviar toda a tensão que tenho sentido nos últimos dias. Às vezes temos um problema que nos estressa, e tudo que acontece é motivo para contribuir com o estresse. E no meu caso, a mudança, as encenações de Jules, o vizinho mal-educado… tudo! Contribuiu para meu mau humor.

   Sei que o garoto não tem culpa do meu nervosismo, mas não penso em minhas ações, e antes da moto virar a esquina, dou língua e mostro o dedo do meio para ele.

   Como se não bastasse. Sinto-me observada. Varro os olhos pela redondeza e vejo uma cortina se fechar na casa em frente. Olho para o céu e reviro os olhos. Maravilha! Mais uma pessoa para pensar que sou louca! Resmungo ironicamente, mas o termo "louca" não está de todo errado.

   Faço o caminho de volta cabisbaixa e pego uma das malas no carro de má vontade. Jules jogou comigo. A brincadeira que fizemos há pouco, foi um lembrete de que o tempo em que vivemos como uma família não voltará. Em todas as mudanças que fizemos, sempre arrumei meus pertences, e não é agora que isso mudará! Arrumar minhas coisas, é o de menos, na verdade, minha vida é que precisa de uma reorganização.

   Entro com a bagagem. O cheiro de flores silvestres que a casa exala, trazem lembranças de quando eu era criança, e só me preocupava em desenhar.

   Solto o ar como se pesasse toneladas. O tempo passou, e hoje, inicio uma nova fase, e quero começar com o pé direito, sem reclamações da escola, sem responder às provocações de Alysson e de Jules, ao menos tentar, e sem pensar nas atuações delas.

   A mudança ocorreu, já estou aqui, e tenho o prazer de desfrutar de uma casa linda e aconchegante. Ao menos por dentro ela é linda. Casa nova, vida nova, e sem arranjar confusões como a que se formaria minutos atrás se o garoto visse meu gesto.

   Ponho a mala pesada com minhas roupas num canto, e reparo o ambiente. A escada para o segundo andar fica em frente a porta de entrada, e a sala de estar e o hall são em conceito aberto. Os cômodos integrados dão uma sensação de liberdade. As almofadas e objetos decorativos de cores claras, harmonizam com o sofá cinza chumbo.

   Desfilo pelo ambiente. Abro uma porta e me deparo com a sala de jantar e fico a admirá-la. O lustre que pende do teto é lindo. Há uma mesa de madeira, um aparador e um espelho enorme que dá amplitude ao cômodo. Um balcão separa a sala de jantar da cozinha com ilha e bancadas marmorizadas. No cômodo há aparelhos de última geração. Com certeza Jules não usará nenhum deles, mas tia Sophia o fará com boa vontade.

   Deixo a sala de jantar e sigo por um corredor reparando em tudo. Porém, logo perco o interesse pela exploração, pois os cômodos nesta parte da casa são severos demais para meu gosto.

ENTRE A VIDA E A MORTE - LIVRO 1 (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora