36- Como posso mudar a história?

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                            Dora

ave, ou Circe, não sei bem, voa rápido e entra numa rua de paralelepípedo, a perco de vista, porém, ela começa a grasnar meu nome, como que num incentivo para que eu a persiga. E é o que faço. Não é a decisão correta a se tomar, o certo seria comunicar o que está acontecendo a tia Sophia, mas não há tempo. Aumento a velocidade da corrida, e ao fazer a curva para entrar na mesma rua que o pássaro, esbarro num homem que vinha na direção contrária. O baque do encontrão quase me leva ao chão, mas graças a Deus somente minhas bolsas caem.

— Me desculpe, eu não te vi. — me desculpo sem olhar para o homem.

— Tudo bem. — Ele diz com uma risada bem humorada.

Eu me divido entre catar as bolsas e procurar a ave, e quando tenho um vislumbre dela virando a esquina seguinte, peço desculpas novamente, solto as bolsas e retorno a perseguição. Sigo a direção que a ave tomou e me frustro ao me deparar numa rua sem saída, onde há um pequeno centro comercial. A procuro nos telhados e nas calhas, a falta de iluminação não me permite achar a ave, que se camufla muito bem, por ser negra. De súbito, seu grasno horripilante verbera nas paredes de concreto dos estabelecimentos, a ave bate as asas, reaparece e pousa na placa de uma das lojas. A placa, pendurada por correntes, balança e produz um rangido igual de filmes de terror. 

   — Foi como pensei. É fácil te atrair, também pudera! Sendo tão fraca e previsível. Mas quem sou eu para julgar? Com todo meu poder, não consegui ser forte o bastante — Escuto a voz espremida da mulher. Agora entendo que ela usou o corvo, e fala através dele — Fui incentivada a me orgulhar dos meus poderes. Não caia nesse conto, menina. O orgulho é o primeiro dos sete pecados capitais, é o mais poderoso, e o último a ser solto. Que seus ouvidos não sejam adulados pelo doce som do engano — É perceptível o sofrimento na voz da mulher, o som é cada vez mais baixo como se ela estivesse lutando contra um sufocamento. — Ele me seduziu, e tirou tudo de mim… não permita que tire de você também. Diga a Sophia que ela tem o meu amor e minha aprovação. Ela fez a melhor escolha.

Um grasnado choroso sai da garganta do corvo, é um misto de protesto e bravura. Olho a ave que agita as penas e assume uma posição majestosa. Ela não perde o brio, nem mesmo quando um brilho que sobe pelas suas pernas sela seu corpo, e ela transforma-se numa estátua de ferro. É como se a ave e a mulher, trabalhassem juntas, num último ato, sacrificaram-se e fundiram-se em uma só. Na tábua de madeira envelhecida lê-se em letras garrafais: o pássaro, Baba Circe.

A compreensão me deixa sem forças para me mover. As lâminas que entram no meu coração são cortantes e mais geladas que a chuva fina que começa a cair. Abraço-me, curvo os ombros e a cabeça. Por que ninguém me conta nada? Por que tenho que descobrir as coisas das piores formas? Cristian disse que trabalha para Circe, e Circe é uma Baba Yaga, e irmã de Sophia, sendo assim, Sophia também é uma Baba, e morrerá por minha causa!

— Não quero que ela morra. — digo olhando para o pássaro de ferro. Esfrego os braços para espantar o arrepio gelado que percorre meu corpo.

Giro o corpo em direção ao começo da rua ao ouvir som passos. Um homem de chapéu caminha de cabeça baixa, seu andar é firme. Um novo arrepio percorre minha espinha. Ele tem más intenções contra mim, eu sinto. Receosa, aperto mais os braços em volta do meu corpo, recuo uns passos e tropeço nos próprios pés. Olho de esguelha para o final da rua, quem sabe alguma loja esteja aberta e eu possa me refugiar nela, mas o que vejo não são portas abertas, e sim pessoas encapuzadas vindo em direção contrária a do homem de chapéu. Como que sentindo a presença dos encapuzados, o homem para e levanta a cabeça, não vejo seus olhos, mas de alguma maneira sinto o desafio que há neles. Minha mente alerta para que eu corra, mas como, se estou encurralada? Mas se eu correr o mais depressa que puder e me desviar do homem que bloqueia a saída da rua, talvez consiga escapar. Preparo-me para a ação, no entanto, as vozes dos encapuzados me impedem de sair do lugar ao entoarem num coro uma acusação.

ENTRE A VIDA E A MORTE - LIVRO 1 (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora