23- O direito é meu

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                            Alysson

Para mim, as mudanças nunca foram um problema, sempre foram bem-vindas. Durante meus poucos anos de vida, algumas horas deles passados vendo a paisagem através do vidro de um carro, eu observava as modificações ao meu redor. E pela observação, aprendi a me adaptar ao clima e as pessoas de cada região; como as serpentes, que possuem coloração como as rochas, substratos e vegetação de onde vivem.

Ser como serpente, não é ser uma serpente, apesar de que muita das vezes, posso ser venenosa. O problema é que se não for como um desses répteis, os predadores não se afastam, aí, você se torna a presa. E eu nunca serei uma presa. Por isso, mantenho minha “peçonha”, em alerta, no entanto, na maioria das vezes, ela é dirigida exclusivamente a uma pessoa: Dorotéia Miller. E não tenho remorso por isso, por qual razão haveria de ter? Ela, sua fragilidade, dependência e delicadeza, chamam atenção de todos, inclusive de quem não deveria, inclusive a minha, coisa que também não deveria. Dora não merece estar nos meus pensamentos no primeiro dia de aula. Portanto, a excluo deles e me olho no espelho.

Estou linda e maravilhosa! Meus cabelos ruivos caem em cascatas onduladas até o meio das minhas costas, a maquiagem em tons terrosos nos olhos e o batom rosa, completam a imagem de Femme Fatale. Mas, minha blusa verde, gola de tartaruga; com um laço no pescoço e a saia marfim, têm a sua vez, elas destacam meu corpo curvilíneo, e as botas de cano baixo dão a delicadeza que preciso para andar até a porta do meu quarto e sair para o corredor e encontrar Jules nele. Ela me elogia, não preciso do seu elogio, claro, eu sei que estou arrasando, minha expectativa é pela reação de Nathan. A cada dia que passa, eu me esforço e continuo no mesmo objetivo: me arrumar, dar o melhor de mim para que ele me note. Talvez hoje tudo mude.

Eu e a matriarca descemos a escada juntas, cada uma com os pensamentos em outro lugar; contudo, voltamos ao presente ao vermos Dora arrumada como nunca antes. Mas ela não está bonita como eu, isso, consolido com clareza, deixando mãe e filha sozinhas. Sair mais cedo para a escola, ainda que a encontre fechada, é mais vantajoso que ouvir a ladainha das duas. E assim que ponho os pés na varanda, contemplo o céu nublado, o vento frio bate nas minhas pernas, e o ambiente carregado de solidão, me faz estremecer. Nem os pássaros que cantam e o barulho da natureza, melhoram a sensação de isolamento que o outono me traz.

Detesto as estações frias!

Talvez Nathan tenha a mesma opinião, uma vez que se acha encostado na balaustrada com ar pensativo. Arranho minha garganta chamando sua atenção, seus olhos vítreos, folheiam meu rosto, mas ele não me enxerga.

— Por que ainda me esforço, Nathan?

— Por teimosia. Você não aceita perder, o inconformismo não te deixa saber que nem tudo acontece como desejamos ou pensamos — articula despertando do torpor.

— É claro que não me conformo! O direito como sua Prometida é meu; no entanto, o roubaram de mim! — Uma linha aparece na sua testa, ele me questiona sem palavras. — Eu estou cansada... O direito é meu. — reafirmo entre dentes.

— Todos estamos cansados — retruca fatigante.

Eu conheço a história de Nathan. Sei que se encarregou de tirar o fôlego de vida de Dora, e Samael de reter a alma dela, não permitindo que fosse para o Céu, o que duvido muito que ela fosse, ou para o Inferno, o lugar mais provável para ela estar. Pelo que deduzi, Nathan procura o tal Samael há séculos, mas não o encontrou até hoje.

Talvez o Anjo da Morte nem exista, é o que eu penso, porém, não externo meus pensamentos.

— Você achou Samael? — inquiro, ele olha para casa do vizinho.

ENTRE A VIDA E A MORTE - LIVRO 1 (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora