24- O sono dos justos

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                            Alysson

Dora sofreu? E quanto a minha dor? Ao meu sofrimento, ao meu bem-estar? Ninguém se importa! Por que tenho que me compadecer dela?!

— Não quero ver nada! — urro enojada. 

Por que tudo sempre gira em torno dela?!

— O pranto diz muito sobre alguém. Suas tristezas, frustrações, raiva, humilhações, até as alegrias. As lágrimas quando derramadas aliviam e purificam. De certo você necessita purificar sua alma e aliviá-la dos seus tormentos, Alysson. Todavia, se endurecer seu coração, pagará um alto preço — Elijah é pungente. — Hoje te apresento novas diretrizes, está em suas mãos a decisão de um novo destino, é você quem escolherá o que tanto deseja — determina.

Gradativamente seus globos voltam a cor de origem. Se bem que um negro de olhos dourados não é natural. Ele aprisiona minhas esferas azuis, tão mais comuns que as dele, — há súplica em seu olhar. Elijah anseia pela minha mudança, para eu escolher o melhor caminho, e eu ignoro seu pedido desfazendo o contato visual. Ameaço me levantar, porém, uma força mística me submete a sua vontade.

— Me solta, Elijah! — vocifero.

Tento olhá-lo, todavia o movimento brusco que faço com o pescoço para mover minha cabeça, causa me dor. Cerro as pestanas e conto até dez, darei uma chance ao anjo de retroceder a decisão de me aprisionar, e enquanto conto, ouço seus passos se distanciando.

— Volta aqui, Elijah!

Silêncio. 

Grito pelo anjo novamente, e somente recebo de volta o eco da minha voz. Meus lábios se separam, formulo feitiços na minha mente, e nada sai da minha garganta, porém inesperadamente meus olhos se abrem. Eu não tenho mais o controle do meu corpo! Automaticamente minha vista segue para as gotas caídas no chão, e em cada gota detida, vejo uma cena da vida de Dora. Ela sorrindo, chorando, ou pedindo algo, e eu fazendo o que de melhor fazia: combatendo sua alegria com ódio, sua tristeza com deboche e contrariando seus pedidos.

 Rio. Tenho a opinião de que, se te fazem bem, ou até mesmo mal, você tem sorte. Pois, tendo o bem ou o mal, você tem algo de alguém; pior é ser esquecida. E quando criança, eu fui esquecida, não tive ninguém para implicar comigo, para apontar meus medos e fazer com que eu os superasse. Eu ajudei Dora a se fortalecer. 

Minha boca contorce ao assistir às lágrimas deslizarem sobre o piso, uma a uma, elas se juntam formando uma poça, e a imagem se converte em uma cena que eu e Dora protagonizamos. Contemplo a cena refletida na água como se visse a cena de um filme, e nela Dora corre pela casa procurando seu estojo de desenho. Sophia pergunta qual foi o último lugar em que o estojo foi usado, Dora responde que foi na árvore atrás da casa, e eu ofereço ajuda para procurá-lo. Minha ajuda é aceita com um menear de cabeça, e no meio do caminho Dora se detém; ela me olha com olhos calmos de mais para o meu gosto.

— Você jogou o estojo fora, não foi, Aly? 

— Sim, Moranguinho. Você nunca o achará, e perderá muito mais se não aprender que não deve abraçar, beijar, sequer olhar para Nathan. Se teimar em fazê-lo, acabarei com seus desenhos, bonecas, roupas... destruirei tudo em casa e colocarei a culpa em você!

— Mas, Aly, meu amigo disse que não se obriga ninguém a gostar da gente. E eu gosto de Nathan, e ele de mim.

— Que amigo? Aquele cão imundo e leprento que você conversa? Irmãzinha, se Nathan souber da sua loucura, que você conversa com criaturas malignas, ele te esmagará, te matará. E você sabe disso, afinal ele é um anjo. É melhor ficar longe, é para seu próprio bem! 

ENTRE A VIDA E A MORTE - LIVRO 1 (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora