AlexiaMinha história não foi e não é um conto de fadas. Para começar, sempre fui eu e mamãe, e ela nunca deu margem para eu perguntar quem era meu pai. Minha mãe me ensinou que, é melhor não ter um pai do que tê-lo e ele não prestar. Então, no meu registro de nascimento consta: pai desconhecido.
A Sra. Vivienne Demond, minha mãe, era respeitada na vizinhança, uma mulher de fibra que deixava a filha com uma vizinha para trabalhar, elas eram amigas. O dinheiro que ganhava, garantia nossa refeição diária e o pagamento do aluguel do moquifo onde morávamos.
Nosso bairro era barra pesada, negros, brancos e gangues disputavam o comando do comércio, drogas e qualquer coisa que envolvesse dinheiro e poder. E foi numa dessas disputas que a perdi. Na ocasião mamãe me levou numa festa de rua, não lembro o tema da festa, mas lembro-me que nosso plano era festejar o novo emprego que ela conseguiu, comer e beber de graça e voltarmos para casa com a barriga cheia e com algumas guloseimas na bolsa. Amigos eu não tinha, mas, excepcionalmente naquele dia conheci Sarah, uma menina branca, bonita e muito curiosa. Por ser tão diferente de mim, eu quis brincar mais um pouco com ela, e pedi para ficarmos por mais cinco minutos naquele lugar, e dentre esses cinco minutos, perdi minha mãe. Eu brincava com Sarah, quando de repente ouvi barulhos como de pipocas estourando, Sarah parou de rir, e algo quente espirrou no meu rosto. O sangue de Sarah. Gritei ao vê-la estirada no chão, com seu cabelo loiro banhado no líquido escarlate. Aquela era mais uma guerra entre bandidos, e o melhor a se fazer naquele momento era procurar um local seguro. Pensei na minha mãe, em encontrar refúgio nos seus braços, estávamos distantes uma da outra, porém eu sabia onde ela estava, e no momento em que olhei para o local, a vi parada a me olhar. Corri rumo a ela, todavia ao alcançá-la já era tarde, mamãe caiu aos meus pés. Desesperada, me abaixei, sacudi seu braço e a chamei várias e várias vezes, mas ela não me respondeu. Meus olhos inundados transbordaram de lágrimas e dor. Olhei em volta pedindo socorro, supliquei por ajuda, mas quem se preocuparia com uma pobre garota se buscavam salvar a própria vida? Então roguei ajuda aos céus. Olhei mais uma vez para a confusão e vi um homem vindo em minha direção. A destruição reinava, ao invés de bandeiras e vasos de flores, os corpos; vidros quebrados; comida derramada e o pânico, é que "enfeitavam" a praça. As balas voavam em todas as direções, mas nenhuma pegava nele. O homem negro se aproximava, e a cada passo seu, meus temores extinguiam-se, a luz que o envolvia era linda e reconfortante.
— Você me pediu ajuda? — ele indagou ao se ajoelhar.
— Minha mãe não fala comigo. — respondi enxugando as lágrimas que insistiam em cair. — Eu pedi ajuda a Deus. Você é Deus? — A pergunta saiu num choramingo sofrido. Lembrar do dia fatídico é como atravessar uma adaga no meu peito.
— Sua mãe não está mais entre nós. Mas não se aflija, eu sou uma pequena parte de Deus — Ele mostrou com o indicador e polegar o tamanho — Sou uma formiguinha se comparado a grandiosidade dele.
— Deus, é enorme e poderoso. Por que não salvou a mamãe? Ela morreu, e com certeza morrerei também. Sei o que os homens maus fazem com as meninas que ficam sozinhas como eu fiquei. Minha vizinha Ruth me contou.
— Não tenha medo dos que matam o corpo, eles matam o corpo, mas não podem matar a alma. Tenha medo daqueles que podem destruir tanto a alma como o corpo no inferno. Não se preocupe, o corpo da sua mãe encontra-se aqui, eu cuidarei dele e da alma também.
— Tanto faz. — respondi dando de ombros, eu só queria mascarar meu sofrimento.
Não frequentar a escola não impedia que meu cérebro funcionasse, eu sabia que a vida não era um mar de rosas, e mamãe tratou de me instruir. Ela disse que a Morte é uma visita que não anuncia sua chegada, a Morte não aceita desculpas como: vou ali e já volto, ou, tenho um compromisso inadiável. A Morte chega e te pega em qualquer lugar que esteja.
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ENTRE A VIDA E A MORTE - LIVRO 1 (Concluído)
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