Anne abria os olhos lentamente, tentando se adaptar ao quarto exageradamente iluminado e frio. Os bipes dos aparelhos zuniam em seus ouvidos, enquanto a garota buscava em sua mente algum lapso de memória que a fizesse lembrar de como um beijo tinha levado-a direto para um hospital.
— Finalmente você acordou. — A familiar voz de Eros inundou o quarto, fazendo-a franzir o cenho, sem entender o que estava acontecendo
— O que houve? — Ela passou a mão pela nuca, observando o deus preocupado com seu estado de saúde. — Não consigo lembrar de como vim parar aqui.
— Estávamos nos beijando... — Eros fez uma breve pausa, antes de retomar sua fala — então você desmaiou, e eu te trouxe para cá. E está tudo bem agora.
— Terei que concordar, sua saúde está em perfeitas condições. — O médico sorriu sem muito entusiasmo, fazendo algumas anotações enquanto adentrava na sala, pegando-os de surpresa. — Mas irei solicitar exames e cuidados especiais.
— Onde está o meu carro? Eu já posso ir embora agora? — Anelise sentia-se rapidamente enjoada, definitivamente, sempre odiaria hospitais.
— Ei, tudo vai ficar bem. — Eros a tranquilizou, notando a inquietação dela. — Estamos em um hospital próximo a Lovedale, seus pais estão aqui. Eles foram tomar um café. Mas posso te garantir que está tudo bem. — sorriu bondoso, fazendo-a observar cada traço em seu rosto delicado.
— Você pode me deixar sozinha? Preciso descansar um pouco. — Anne sorriu calmamente, notando a expressão levemente decepcionada de Eros, mas ainda assim, respeitosa. Ele não hesitou em sair do quarto.
[...]
— Eu quero que você me diga tudo o que sabe sobre Anelise. Chega de mentiras, Ares. — O deus confrontou seu pai, sem bater na porta, adentrando no ambiente sem quaisquer cerimônias.
— Desculpe, senhor... Eu não consegui impedir. — Um dos seguranças surgiu rapidamente, enquanto Ares lançava um olhar despreocupado para ele.
— Tudo bem, Billy. Deixe o garoto achar que tem algum poder sobre mim. Pode sair agora. — Dispensando-o com um aceno, Ares guardou seus papéis na gaveta e encarou o filho somente agora. Eros tinha os mesmos traços de personalidade que ele. Seria capaz de fazer qualquer coisa quando estava apaixonado. Inclusive, perder o medo da morte iminente.
— Vamos! Eu sei que você sabe tudo a respeito dela. Ela não é a sua Sophia, Ares! Por que a ajudou na delegacia? O que você quer com a Anelise? — Eros brandiu, sentindo-se frustrado pela reação indiferente do pai, que levantou de sua cadeira e observou as vidraças exibirem o mar sinuoso que banhava Lovedale.
— Eu admiro a sua coragem em vir até o meu prédio e confrontar-me, Eros. É louvável, garoto. Mas não irei tolerar petulância de sua parte. Venha até aqui, observe essa vista e tente se acalmar. — Eros caminhou lentamente, sentindo sua respiração descompassada. A calma de seu progenitor estava incomodando-o, mas era melhor não questionar sobre isso.
— Sophia foi a primeira mulher a pescar nesta cidade. Antigamente, isso era trabalho apenas para os homens. Ela era conhecida por seu carisma, o jeito doce e cuidadoso com crianças. Eu estava destruindo tudo ao meu redor, quando o meu pai não fazia as minhas vontades. Odiava o fato de alguém ter poder sobre mim daquela forma. E vim destruir essa cidade que já foi o berço de várias lutas entre deuses, mas isso não vem ao caso agora.
Eros observou as ondas quebrarem nas pedras, e entendia a motivação de seu pai por optar por essas janelas. Sentindo-se mais calmo, ele processava cada pedaço daquela história.
— Eu estava prestes a destruir esta cidade, mas alguém havia comentado sobre um templo de Athena aqui. Você sabe das nossas indiferenças... Então, eu escolhi a serva mais fiel dela. Fingi ser um comerciante interessado nos peixes, em ajudar no comércio local. E Sophia acreditou nisso. Acreditou nas minhas boas intenções, com todo o amor e bondade que tinha no coração dela. Com o passar dos dias, minha tarefa se tornava cada vez mais difícil. Eu esquecia das minhas obrigações com o Olimpo, sempre ficava no meio dos humanos e até aprendi a pescar. Devo admitir que sou péssimo nisso. — Ares interrompeu a fala para sorrir um pouco, e seu filho havia percebido que isso nunca havia acontecido antes. — Quando percebi, eu já estava envolvido demais, apaixonado demais e meu relacionamento com Sophia estava se tornando amor. Mas quando Athena descobriu que ela havia perdido a sua pureza, aquela maldita afastou a Sophia da cidade, eu nunca mais tive notícias dela, eu procurei pelo mundo todo. Procurei por anos, mas não a encontrei. Nunca mais.
— E o que aconteceu depois? — Eros perguntou, completamente envolvido com a história de seu pai.
— Eu destruí tudo. Destruí a cidade, o templo, transformei tudo em ruínas. Matei todos os servos dela. Sem piedade. Eu deixei que meu ódio me controlasse, e ele arruinou tudo que Sophia amava. Passei anos vagando nos escombros, procurando-a, cogitando ter matado o amor da minha vida também. Mas isso não aconteceu. Eu vaguei por anos, sozinho e desesperado. Até que Afrodite me encontrou aqui.
— A mamãe? — Eros franziu o cenho, observando a expressão de seu pai, como se estivesse vividamente recordando tudo aquilo.
— Sim. Sua mãe me encontrou. Com todo aquele brilho, aquela sedução. Ela me deu uma poção do amor, mas era de amor próprio. Eu precisava daquilo novamente. Afrodite me ajudou a restabelecer minha imagem. Já fomos amantes em diversos séculos, mas desta vez, foi diferente. Fizemos amor nesta cidade, como loucos, levantamos sua estrutura, ajudamos a terra para que ela fosse fertilizada novamente.
— Então, vocês que fundaram Lovedale? E quem colocou esse nome? — Ele perguntou sorrindo, sabendo que a resposta estava ali o tempo todo.
— Afrodite. Ela escolheu esse nome tão exótico, Eros. Na junção perfeita do caos e do amor. Você é o patrono desta cidade. Quando você chegou aqui, era só um cupidinho, mas essa cidade o ajudou a crescer após o nascimento de Anteros. Ter vindo para cá, não foi uma coincidência. E há um motivo para ter retornado: esta cidade o chamou.
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Eros Caindo em Tentação (Concluído)
FantasyEros é o deus do prazer, filho mais velho de Afrodite. Vaidoso, egoísta e narcisista, o deus estava cansado da mesmice. Por isso, resolvera agitar a vida dos moradores de uma pequena cidade regada por tabus e conservadorismo. Lançando uma onda de pa...