Capítulo 72

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   Pela primeira vez desde a chegada do cupido astucioso, chovia em Lovedale. Uma chuva inesperada e densa, que impossibilitava o funcionamento de alguns estabelecimentos e diminuía o tráfego de pessoas. Na sorveteria Casquinha Crocante um agrupamento de pessoas tentavam se organizar em filas para receber o sorvete de creme que estava sendo distribuído gratuitamente em homenagem ao maior frequentador do comércio.

O silêncio era perturbador, enquanto ouvia-se apenas o barulho das colheres. Com os olhos vermelhos e uma expressão de cansaço, Sabrina caminhou até o caixa e com a ajuda de Ariel subiu no balcão de atendimento.

— Ele morreu para nos salvar. — Sabrina iniciou, chamando a atenção das pessoas que mesmo na chuva, não descartavam a ideia de sorvetes grátis. — Nossa ignorância e medo mataram Eros. Poderíamos tê-lo ajudado, ter percebido quando o maior monstro que criamos, se tratava de um ser humano que foi queimada viva.

— Eu não tenho nada a ver com isso, eles que se entendam já que são imortais.  — Um homem desconhecido protestou, batendo sua cerveja na mesa redonda.

— Todos somos cúmplices quando escolhemos a ignorância ao invés de abrir nossa mente para o que não conhecemos. Nossa cidade é hipócrita, não amaldiçoada. — Alguns incentivaram Sabrina a continuar e outros ignoraram.

— Você não é o melhor exemplo para nos dar uma lição de moral, Sabrina. Veja o casamento de seus pais e até mesmo suas atitudes com Gregory Thompson. — Uma garota acusou Sabrina que voltou seu olhar para Gregg, que agora permanecia de cabeça baixa.

— Se eu pudesse fazer tudo diferente, faria. Eu jamais quis magoá-lo, me apaixonei quando o conheci de verdade, mas, quando percebi isso era tarde demais. Gregg, sinto muito. Não posso mudar minhas atitudes do passado. Por isso, estou falando aqui com vocês. Não podemos trazê-lo de volta, em sua homenagem poderíamos tentar enxergar as pessoas além dos rótulos. Eros tratava todos como iguais, seu sarcasmo e humor tornavam essa cidade menos tediosa. Pensem nisso. — desceu do balcão com a ajuda de Jordan e seguiu até a saída, ouvindo apenas um murmúrio atrás de si.

— Sabrina? — Gregg a chamou, fazendo a loira virar instantemente em sua direção, observando as gotículas de chuvas o deixarem ainda mais bonito. Ela se aproximou e os dois se entreolharam por um tempo. — Eu queria dizer que... Quer saber, esquece. — Gregg a puxou para um beijo demorado e apaixonado naquela tarde chuvosa. De longe, ouviam-se palmas e comemorações da plateia formada por curiosos.

***

   O cheiro misto de produtos de limpeza e éter inundavam o nariz da garota que acordava lentamente, abrindo seus olhos com cuidado, como se o simples ato de piscar fosse doloroso.

— Ela está acordando. — Uma voz familiar anunciou, fazendo outra pessoa no quarto perguntar "qual delas?".

Anelise observou seus pais no quarto frio e mais ao fundo, pôde ver Ares que aguardava pacientemente pelo seu retorno. Seus olhos se encheram de lágrimas quando ela foi recebida com um abraço, mas chorou ainda mais ao lembrar de todas as coisas que aconteceram até então.

— Onde ele está? Eu quero ver Eros. Por favor, chamem ele. Diga que sua doce Anne está aqui! — Ela chorou ainda mais, enquanto Ares se aproximava e pousava sua mão grande e áspera por cima da mão delicada dela.

— Sinto muito, Anelise. Falhei como pai, não pude salvá-lo e jamais irei me perdoar por isso. Eros nos deixou, não consegui evitar.

— Isso é mentira, eu sei que ele está vivo! — Anelise tentou se levantar da cama, mas uma tontura e falta de estabilidade a fizeram quase cair.

— Você não está bem, querida. Precisa se recuperar. Estamos aqui agora, iremos cuidar de você. — Harold Harper tentou tranquilizar sua filha que apenas chorava.

— Eu não queria dar essa notícia, mas vim para ter certeza de que a morte do meu filho não foi em vão. Descanse, Anelise. Se precisar de alguma coisa, pode me chamar que estarei à sua disposição. — Dito isso, Ares saiu da sala e a deixou chorando nos braços de seus pais. Perder Eros já estava sendo doloroso o bastante, ver que o sacrifício dele havia sido em vão, seria mais doloroso ainda.

[...]

  Não muito longe dali, num lugar remoto e distante, uma luz preenchia todo o ambiente, fazendo os deuses auxiliares usarem óculos escuros para ofuscar tal luminosidade. Eles observam as formas, os contornos e a beleza do novo projeto de Athena que se encontrava em uma espécie de manjedoura.

As ferramentas eram levadas de um lado para o outro, aprimorando a máquina enquanto a deusa observava e anotava cada progresso.

— Por que você está se empenhando tanto nisso? — um deus inferior questionou, fazendo Athena cogitar responder ou não.

— Eu acredito que talvez ele possa fazer mais por essa cidade do que eu jamais faria um dia. — Ela ficou pensativa, passando a mão por cima da manjedoura de vidro que exibia um deus de cabelos cor de rosa.

— Talvez no final das contas, você não seja tão má assim, Athena. Mas por que permitem que te vejam dessa forma? — indagou, tão interessado quanto.

— Creio que maldade e bondade sejam relativos e dentro de si, cada um tem uma quantidade. Se eu fosse completamente má, seria uma vilã. Mostro o meu melhor somente quando necessário. E acho dessa vez, entre tantos séculos, alguém realmente mereça a minha ajuda.

— Achei que a Lâmina da Agonia matasse qualquer deus. Talvez, qualquer coisa. Então ela não é uma arma perfeita? — os dois se entreolharam por um tempo, antes que a deusa da sabedoria finalmente respondesse.

— Eu jamais criaria uma arma que não pudesse controlar. Claro que ela é eficaz, quando sabem manusear da forma que deveria. Para todo remédio, há um antídoto. Pelo menos, quando eu faço. Agora vamos, Eros precisa descansar.

Eros Caindo em Tentação (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora