Capítulo 53

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— Você foi a única pessoa que confiei na vida, que conheceu meus segredos, minhas fraquezas. Eu amava você, Eros. Amava a amizade que tínhamos. Eu não era uma esquisita diante dos seus olhos, assim como sou para todos aqui.

A voz dela estava embargada, carregada de frustração e culpa. Algo ameaçava rasgar sua garganta a qualquer instante.

— Eu amava as suas duas versões e mesmo assim, você conseguiu me trair duas vezes.  — secou as lágrimas, incapaz de encará-lo.

— Anne, eu sinto muito... — Eros caminhou para abraçá-la, mas Anelise o empurrou, repetidamente, ao ponto de empurrar o peito dele, sentia as lágrimas turvarem a sua visão.

— Eu quero que você se transforme nela. Se transforme na Ellyah. Preciso que isso seja mentira. — balbuciou, fechando os olhos e sentindo Eros tocar em seu rosto, a decepção gravada em cada sílaba.

Ao abrir os olhos novamente, Anelise sentia uma dor que jamais imaginou conhecer. Uma dor agonizante, que dilacerava seu peito. Percebendo que ver sua versão feminina a deixava  mais aflita, Eros transformou-se em sua versão original.

— Vá embora, criatura abominável. — Um dos moradores vociferou, enquanto Megan se deliciava com a humilhação de Eros.

Robert Carter — o prefeito —, corria entre a multidão, segurando uma arma que jamais pensara que poderia usar.

— Em nome de todos os moradores de Lovedale, eu e toda a comunidade, expulsamos você desta cidade. Eros, cupido do amor. Você só trouxe caos e mortes para nós.

Eros afastou-se de Anelise por alguns segundos. Ele podia entender o quanto a raiva de seu pai havia o consumido, Afrodite tinha razão. Como deus, ele faria qualquer coisa para proteger Anelise. Até mesmo, dizimar a cidade inteira. E, ele que pregava tanto o amor, estava repleto de ódio e medo, era tudo que sentia dos moradores.

— Vocês são tolos. Culpam as divindades por seus erros. Eu não amaldiçoei esta cidade, ela já era assim quando eu cheguei. Ela me trouxe para cá. — Eros estava cercado pelos moradores, enquanto Anelise agora corria em direção aos seus pais. — E prefeito, você é um mentiroso. Juntamente com o xerife, está escondendo todas as mortes misteriosas de mulheres da elite de Lovedale. Você é um hipócrita que traía a sua mulher com a amiga dela. Fazer com que ela se apaixonasse pelo padre, foi um favor.

— Do que você está falando? — Robert pôs as mãos na testa, quase o silenciando, guardando sua arma agora. — Isso é mentira! Ele está mentindo. Já mentiu para nós sobre tantas coisas.

— Eu não estou... — Eros agora o encarava, trincando os dentes e cerrando os punhos. O quão rápido poderia arrancar a cabeça de Robert? — Ele afastou aquele pensamento, estava tomado pela raiva, não poderia deixar isso o dominasse. 

— Já chega. — Anelise protestou, havia secado suas lágrimas, a expressão em seu rosto era de desprezo. — Se você ainda está nessa cidade por minha causa, pode ir embora. — A voz de sua amada estava carregada de raiva. — Não precisamos de você, já temos problemas "humanos" o bastante.

— Anne, você tem certeza? — a raiva dele se dissipou, se tornando algo tênue e leve, estava desesperado para se aproximar dela. — Se você quiser, eu posso ir embora, posso deixá-la em paz, fingir que nunca nos conhecemos. Mas se fizer isso, eu...

— Tenho certeza. Pode ir. Acho que você já disse o bastante para nós. Queria a nossa crença na sua existência? Aqui está ela. E não estamos nada felizes com isso. Onde está o poder do seu amor agora? Amor encoberto por mentiras e traições, não é amor, é uma farsa.

— Eros, está na hora de ir. — Anteros pôs a mão no ombro do irmão, que nem sabia que ele estava ali. — Já chega disso. Você merece mais do que estes humanos são capazes de retribuir. 

— Não. — Ele se desviou do toque do irmão, indo tão rapidamente na direção de Anelise, que assustada, deu um passo para trás. — Eu quero que você repita que me quer longe desta cidade, longe de você e de todo o resto.

— Eu... — A proximidade causava algo estranho em Anelise, ela suspirou fundo na tentativa de se recompor. Todos os moradores prestavam atenção nas atitudes deles, ansiosos pelo desfecho. O deus apaixonado por uma humana. — Vá embora. Não me procure. Não somos mais amigos. Não somos nada. Esqueça da minha existência.

— Tudo bem, Anelise. — Eros olhou para todos ao seu redor, cada flecha que acertou, cada conflito que presenciou e todas as vezes que ajudou alguém, mesmo que tenha sido uma mísera ajuda.

Ele observou Anteros e os dois trocaram um olhar silencioso, por alguns segundos, dor e cumplicidade estampavam o rosto do cupido mais velho. Seu pai estava certo, sobre dar conselhos para que Eros não se metesse com os humanos.

— No final das contas, Ares e Afrodite sempre têm razão. — Eros assentiu magoado.

— Você sabe que ela só está triste, não é? Eu sei o que ela sente, eu sou o deus do amor correspondido, Eros... — antes que pudesse concluir seu pensamento, o irmão sorriu fraco, silenciando-o.

— Anelise já decidiu, talvez esteja na hora de deixá-la, para sempre. Ter a vida humana dela, da forma que tem que ser. — Anteros desdenhou, arqueando a sobrancelha, sem acreditar nas palavras de seu irmão. 

— Você consegue ficar longe dela? — os dois se olharam, prontos para voarem lado a lado com suas asas imperceptíveis aos olhos comuns, ignorando a pouca distância entre os humanos, mas ninguém entendia nada. Eles estavam falando em grego antigo.

Após olhar mais uma vez para Anelise, Eros e Anteros deram as mãos e o deus do amor correspondido usou um artefato para iluminar todo o ambiente, um artefato de Apollo. Este deveria ser usado apenas em situações de emergência. Similar a uma mecha de cabelo do deus-sol, que poderia iluminar uma cidade inteira. Os humanos usaram as mãos para esconder seus olhos, e foi assim, que ambos os deuses voltaram para o lugar que jamais deveriam ter saído.

Eros Caindo em Tentação (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora