Capítulo 74

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   Pela primeira vez em toda a sua vida, Eros desfrutava da verdadeira sensação de paz. Pelo menos, foi o que ele pensou ao observar Anelise dormir e seu peito subir e descer lentamente, num ritmo suave. Para Além das Nuvens — como ele gostava de chamar seu lar —, poderia ser um paraíso, mas Anelise era seu paraíso pessoal.

— Gosta do que vê, Erinhos? — Anne o espiou pelo olho direito e sorriu quando ele ficou sem graça, evitando a expressão engraçada no rosto dela.

— Não consegui dormir, você ronca feito um motor velho de caminhão. —  gargalhou quando sua amada jogou um travesseiro em sua direção e os dois travavam uma briga passiva na cama consideravelmente pequena.

— O que nós vamos fazer agora? — sua expressão mudou rapidamente, fazendo-a segurar o lençol com firmeza ao redor de seu corpo. Ambos estavam desnudos e há alguns meses, Anne jamais se imaginou tão íntima assim de alguém.

— Desculpe, ao ver você com essa fina camada de tecido nos separando, só consigo pensar em coisas sexuais. — se aproximou e deu um beijo casto na testa dela. — Quer que eu prepare seu café? Sei fazer um bolo de frutas e um chá de folhas delicioso que aprendi com as ninfas do bosque.

Ele se levantou rapidamente e Anelise pôde vislumbrar sua bunda branca e firme. Quase sorriu ao vê-lo tão confortável, mas ao invés disso tratou de vestir uma camisa no comprimento de seu joelho. Era difícil se concentrar em uma conversa quando ambos estavam sem roupas. O corpo magro e bem definido do deus causava intensos arrepios em zonas até então desconhecidas.

— Não parece ser uma receita tão agradável assim. — fez uma careta e depois sorriu, abraçando-o por trás. — Eros, nós precisamos conversar. De roupa.

— Tudo bem, doce Anne. Sei que você não consegue olhar o meu corpinho sem ter pensamentos sobre ele. — Eros sorriu e passou a mão em seu cabelo agora cor de rosa. — Qual a natureza da nossa conversa?

— Eu quase te matei, quase destruí a cidade inteira e tudo aquilo que amo. Matei mulheres que cresci admirando a elegância. Isso não está certo. Não posso ficar impune. Essa culpa me consome todos os dias. — suspirou fundo e abaixou a cabeça enquanto Eros vestia sua túnica e logo após a conduziu para a cama. — Também vale lembrar que machuquei o antigo padre, acabei incendiando o jornal. Não era bem eu mas mesmo assim...

— Sinceramente, Anelise. — O deus suspirou fundo, segurando nas mãos dela e encarando os olhos castanhos de sua amada. — Se você quiser ir até a delegacia e assumir todos os "seus" crimes, nós podemos ir. Talvez você pegue uma prisão perpétua. Eu posso te visitar na cadeia, com sorte pode combinar com o tom laranja. — sorriu mas sem emoção ou humor em seu semblante. — Você não pode se culpar pelas ações de Sophia. Como irá contar para os policiais? "Oi eu gostaria de assumir todos os crimes da minha ancestral. Ela possuiu o meu corpo, fiz as coisas sem vontade própria mas me sinto culpada".

— Você não entende. — levantou bruscamente, se desvencilhando do toque dele. — Eu via cada atitude dela. Vi tudo, Eros. Como se fosse uma telespectadora na minha própria cabeça. Foi horrível. Estou usando tudo que estudei em psicologia para me livrar disso.

— Entendo, Anelise. Eu juro que entendo mas estou querendo dizer isso sem dizer exatamente isso. — Ele se levantou novamente, se aproximando e  acariciando o rosto dela. — Nós não temos a eternidade para ficarmos juntos. Seu tempo aqui é curto e eu gostaria de aproveitar cada segundinho dele, até que você se canse de mim e vá viver uma vida normal. Ou você pode abrir mão de tudo isso e ficar presa para sempre, pagando por erros que não cometeu. Não há provas contra você, nada. Sophia queimou qualquer indício de prova, acho que ela planejava usar bastante seu corpinho gostoso.

Anelise sorriu brevemente, abraçando-o com força e suspirando cada cheiro único que Eros tinha. Havia verdade em sua voz, mas a culpa — mesmo que não sendo dela —, era algo que não dava para fugir. Seus pensamentos estavam contaminados pelo ódio de Sophia mas ela contava com a ajuda de alguém especial para lidar com isso.

— Irei pensar. — selou seus lábios macios nos dele que apenas sorriu com o gesto. — As pessoas acham que você morreu mesmo, elas precisam saber que você está bem.

— Achei que ninguém aqui gostasse de mim, Anne. — o cupido sorriu de forma tênue, transmitindo uma certa insegurança.

— Eles te amam, Eros. Lovedale era exageradamente sem graça antes de você chegar. — Os dois sorriram enquanto o deus inflava o peito de forma teatral, estava pronto para fazer algum comentário irônico, mas Anelise se dispôs a iniciar o dia de outra forma.

***

Eros e Anelise caminhavam pelas ruas de Lovedale com as mãos dadas e chamando atenção de vários curiosos que acreditavam que ele estava morto. 

Sabrina e Gregg conversavam animadamente na sorveteria, quando seus olhares foram até a direção de Eros que adentrava no local.

— Às vezes acho que ninguém trabalha nessa cidade e ela parece estar repleta de figurantes nessa sorveteria. Garçom, desce uma rodada de sorvete de creme para todos. — Ele falou alto o bastante para que todos ouvissem e Anelise sorriu brevemente, tímida com o olhar fixo das pessoas do estabelecimento.

— Eros, você sabe que aqui não tem garçom. E eu convoquei todos para essa "reunião". — sussurrou, chamando discretamente a atenção dele.

— Eu sei, doce Anne. Só queria uma entrada triunfal, não estrague meu momento. — O deus sorriu travesso e antes que pudesse formular outra fala, percebeu alguém ocupar uma mesa central. — Minha cupidinha da terceira idade!

Eros correu até ela, sem se importar em amassar seu terno cinza e caro, observando a genuína alegria estampada no rosto de sua amiga.

— Que saudades, Erinhos! Nós achávamos que você não tinha resistido. Eu chorei pela sua morte. — A idosa deu um tapinha brincalhão, enquanto ele beijava de forma estalada as duas mãos dela.

— Também senti saudades, minha doce senhora. — Anelise se aproximou timidamente e Eros acrescentou: — Lembra que falei do meu amor? Bem, aqui está ela. Quase me matou, porém, creio que seja algum charme especial da paixão. — falou baixinho, usando a mão como uma barreira para inibir o som, mas tendo certeza que Anelise havia escutado.

Quebrando todo o clima de conversas e breve risadas, Jordan apareceu correndo e com uma expressão de desespero em seu semblante. Ao chegar na sorveteria, ele pôs as mãos nos joelhos e respirou fundo, recobrando o ar.

— Sabrina! Você precisa ir até a prefeitura agora. — Ariel pôs a mão no ombro dele, como se passasse algum tipo de preocupação e conforto ao mesmo tempo.

— O que aconteceu? —  levantou num sobressalto enquanto todos prestavam atenção na loira.

— O seu pai. — Jordan ajustou sua postura e passou a mão na testa suada. — O prefeito está sendo expulso, neste exato momento. 

Eros Caindo em Tentação (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora