Capítulo 65

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  Mais uma vez, Anelise não havia aparecido; nem no alojamento e também não foi para casa. Eros não sabia mais o que fazer, quem procurar, com quem falar. Será que ela estava fugindo dele desde aquela noite intensa? Será que ele fez algo de errado? Poderia Eros explicar que Anelise jamais ficaria grávida, exceto, se eles quebrassem a barreira contraceptiva e mágica.

  Bem, ele não sabia tais respostas, mas estava começando a cansar de buscá-la tantas vezes e não encontrar nada.
O pôr do sol era sua única pequena satisfação do dia, fitar a grandeza do sol e ouvir o barulho suave das ondas. Exausto, ele retornou para o seu mundo mágico, para além das nuvens, como gostava de chamar.

[...]

   Na manhã seguinte, Sophia tentava se adaptar ao ritual diário de Anelise, ou o pouco que havia aprendido. Tecnologia era difícil, conversar era difícil e todas aquelas risadas das pessoas no ambiente de trabalho de Anelise eram irritantes. E como a vida era irônica, ela estava trabalhando para Ares! Como poderia imaginar que sua linhagem seria escrava do deus medíocre que ela tanto odiava? Se isso era algum tipo de piada, ela não estava gostando; a única coisa que sabia era que isso estava prestes a terminar e seu plano jamais falharia. Sophia finalmente teria sua vingança, mas enquanto isso, teria que fingir  ser outra pessoa.

— Como é mesmo que ela mexia nesses papéis? Que criatura ridícula! Que animal reluzente é esse? Não consigo me adaptar com tanta... Tanta... — vasculhou na mente a palavra, até que finalmente a encontrasse. — Tecnologia!

Sua mente e a de Anelise estavam interligadas ainda, isso tornava as coisas mais simples. As pessoas, as frases, os avanços da época. Era como se ambas habitasse o mesmo corpo, mas não a mesma mente. Como se Anelise estivesse em terras distantes de seu próprio cérebro. Mas sua farsa não iria durar por muito tempo.

— Olá, querida Anelise. Que bom que está aqui. — Eros adentrou sem bater, fazendo Sophia quase revirar os olhos. — Precisamos conversar.

— Sobre o quê mesmo? — Sophia questionou, tentando ao máximo usar o tom amigável de Anelise mas falhando miseravelmente.

— Sobre nós? — perguntou ironicamente, fechando a porta atrás de si e apoiando-se na mesma. — Desde aquela noite, nós não falamos mais, não nos tocamos. Você não gostou? Eu te machuquei? Por favor, me diga o que fazer para consertar qualquer erro que eu tenha cometido. Não consigo ficar longe de você.

Eros aproximou-se, mas Sophia não se afastou, era como se não conseguisse mexer o próprio corpo — que por sinal nem era dela.

— Àquela noite, não? Você nem imagina o favor que me fez, Eros. — se aproximou ainda mais, passando o indicador no queixo dele, tocando sua extensão. — Sabe, você me lembra a sua mãe. Tem a beleza dela e a arrogância de seu pai.

Eros fechou os olhos rapidamente, cedendo ao toque delicado de "Anelise", esperava que algo mais viesse, no entanto, nada veio.

— Isso é tudo que você tem a me dizer? Por que está agindo como se não me conhecesse? Anne, sou eu. O seu Erinhos. — Decepcionado, Eros se aproximou, mas ela o afastou.

— Fique longe de mim e não me procure nunca mais. Eu deveria ter dito isso da primeira vez que aconteceu, mas posso dizer agora. Fique longe de mim, mensageiro do amor, filho do caos. — Sophia virou de costas, suspirando fundo, sentindo a raiva dominá-la novamente.

— Anelise, eu tenho uma última pergunta. — Eros suspirou fundo, passando a mão em seu cabelo cor de nuvem. — Qual é o seu sabor favorito de sorvete?

— Sabor de sorvete? Que pergunta ridícula! — Ela sorriu desdenhosa, vasculhando na mente sabores de sorvete. — Creme. Sorvete de creme é o meu favorito. Pode me deixar em paz, agora?

— Claro. — Eros ponderou um pouco mais antes de sair, deixando Sophia sozinha. Agora ele tinha certeza, aquela não era a sua Anelise. E ele faria qualquer coisa para trazê-la de volta.

* * *

   Após terminar de cumprir seu expediente — que consistia apenas em fingir mexer em uns papéis —, Sophia estava arrumando suas coisas para sair, quando ouviu sua porta sendo aberta, já estava formulando a frase para mandar Eros ir embora, mas ao invés disso, deparou-se com o deus do caos em pessoa.

— O que você quer? — perguntou de forma ríspida, mesmo sabendo que era errado e que Anelise não agiria assim. — Senhor, Ares. — emendou a frase, tentando controlar a raiva pulsante dentro de si.

— É você, não é? — O deus estava embriagado, os olhos pesados e de ressaca. — A competente Anelise que eu conheço, jamais esqueceria as minhas reuniões, jamais esqueceria os meus compromissos, muito menos iria expulsar o homem que ela ama da sala. Não do jeito que você expulsou, eu vi no semblante de Eros toda a dor que você causou. Anelise jamais faria isso, mesmo depois de tantas brigas, um sempre acaba voltando para o outro.

— Eu não sei do que você está falando e também não sabia que deuses poderiam beber deste jeito. Isso é novidade. —  cruzou os braços, olhando-o com atenção.

— Depende do que se bebe; álcool humano não surte efeito nenhum no meu organismo. Tenho uma adega especial de Dionísio. Enfim, não consigo acreditar no que está acontecendo, que você está aqui, Sophia. Eu sei que é você. Só não entendo como isso é possível.

— Não sei do que você está falando, a bebida está afetando seu cérebro de minhoca. — Ela virou-se na direção oposta, incapaz de olhar para Ares. — Tenho que ir, tente não beber tanto na próxima vez que estiver trabalhando.

— Você sempre me chamou assim, Sophia. Quando íamos pescar, você sempre me chamava de cérebro de minhoca. — Ela saiu sem olhar para trás, deixando-o  sozinho na sala.

  Longe dali, Sophia secava as lágrimas que ameaçavam borrar sua visão por completo, ela já estava atrasada para seu compromisso. Ao chegar na praia, várias lembranças surgiram em sua mente; a pesca, os moradores de Greenmaze, as tardes com Ares. Toda a sua vida tinha sido uma mentira, uma trágica mentira amorosa e fracassada.

Ao ver Afrodite ao redor de velas mágicas e um tapete de flores, com um fino tecido cobrindo seu corpo curvilíneo, sua raiva se dissipou, Sophia correu e atirou-se nos braços dela.

— Estava contando os minutos para ver você, meu amor. Ares é tão entediante. Seu filho também é insuportável, desculpe a sinceridade. — Sophia suspirou entediada e mordiscou um morango.

— Eros? — a deusa ficou pensativa, enquanto Sophia começava a degustar as frutas afrodisíacas na mesa improvisada. Tudo que as embalavam naquela noite era o som das ondas e calmaria noturna, além de um leve eco do vento que adentrava na caverna.

— Sim. Não consegui mexer este corpo, toquei o rosto dele sem querer. Ares também apareceu na minha sala hoje. Eles estão percebendo, Afrodite. Precisamos nos livrar dessa menina para sempre. Você sabe disso, ela não vai desistir tão facilmente. Nada pode me parar agora.

— Sim. Eu sei. Precisamos fazer isso o mais rápido possível. Mas agora, vamos nos concentrar no que há de mais importante. Eu e você. Nossos problemas ainda estarão lá pela manhã, vamos aproveitar o hoje.

As duas sorriram e degustaram todas as especiarias trazidas por Afrodite, sua rede de mentiras estava começando a sufocá-la e ela sabia que cedo ou tarde, Ares descobriria a verdade e ele jamais a perdoaria por isso. Ela perderia os dois homens que amava, mas era incapaz de abdicar de seu verdadeiro e único amor.

Eros Caindo em Tentação (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora