A "CABRA" DE VOLTA - E PARA FICAR

83 4 0
                                    


Os rodrigueanos mais recentes já podem interromper as suasgarimpagens em vão pelos sebos brasileiros: A cabra vadia está devolta. Publicado em 1970 e logo esgotado, o livro desapareceu dapraça. Nunca mais foi reeditado e quem o comprou na época nuncase desfez de seu exemplar. Tornou-se uma jóia de colecionador e,pela mística que o cercou, um dos livros mais procurados de NelsonRodrigues.

 Mas, mesmo quem guardou avaramente a sua primeira ediçãoterá motivos de sobra para acrescentar esta nova Cabra à suacoleção de Nelson. Basta comparar as duas. 

A edição original era um apanhado quase aleatório das"Confissões" (crônicas) publicadas em O Globo entre janeiro eoutubro de 1968 — mais ou menos o mesmo período coberto por Oóbvio ululante. E, assim como no Óbvio, as crônicas da Cabra vinhamfora de sua ordem de publicação no jornal e sem as datas dessapublicação. A edição original, além disso, privilegiava as crônicas doprimeiro semestre daquele ano, que repetiam muitos assuntostratados no Óbvio.

 O resultado era que o leitor tinha às vezes a sensação de "já terlido aquilo" no outro livro. E tinha mesmo — não só porque os temaseram recorrentes, como também porque a antiga Cabra tinha dozecrônicas rigorosamente iguais às publicadas no Óbvio e várias outrascom apenas ligeiras alterações. Por que isso? Porque, com seusproblemas de saúde, nem sempre Nelson podia produzir a suacoluna diária em O Globo. Quando isso acontecia, uma crônicaantiga era republicada com um título diferente ou com pequenas mexidas no primeiro parágrafo. Na hora de organizá-las em livro, nãose tomou o cuidado de deixar essas crônicas de fora. 

Esta nova e definitiva edição de A cabra vadia põe as coisas emordem — literalmente. As crônicas estão agora na seqüência de suapublicação no jornal e, pela primeira vez, tiveram suas datasestabelecidas. A nova seqüência dá todo um sentido ao livro: Nelsoncontinua a desenhar o seu painel do extraordinário ano de 1968,iniciado em O óbvio ululante. 

Mais importante: todas as crônicas redundantes ou em duplicata foram substituídas por outras do mesmo período, com ênfasenas do segundo semestre de 68. E é espantoso que muitas destasnão constassem da edição original — porque estão entre as melhorescoisas de Nelson. Vai-se descobrir, por exemplo, que ele foi umespectador atento até dos festivais da canção daquele ano e quetinha surpreendentes opiniões sobre as polêmicas provocadas porcanções como "É proibido proibir" (de Caetano Veloso),"Caminhando" ou "Para não dizer que não falei das flores" (deGeraldo Vandré) e "Sabiá" (de Tom Jobim e Chico Buarque).

 Os recém-chegados à obra de Nelson Rodrigues (agora milhares) terão um choque com as crônicas de A cabra vadia. Principalmente ao constatar que, escritas há quase trinta anos, elas nãoapenas conservaram a íntegra do seu brilho (que tanto incomodavaos inimigos de Nelson) como podem ser lidas hoje como tragicômicasprofecias daquilo que o Brasil se tornaria nas décadas seguintes.R. C.

A Cabra VadiaOnde histórias criam vida. Descubra agora