Memórias Póstumas de Avril

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Querida Alex,

A sua mamãe Laura me fez a mulher mais feliz do mundo.

Ela acordava todos os dias com um belo sorriso no rosto, preparava o café, te arrumava com perfeição, sempre perguntava se eu estava bem.

Se ela tinha alguma tristeza, disfarçava muito bem.Eu realmente não sabia de onde ela tirava tanta garra.

Ela trazia flores todos os dias, me carregava no colo quando eu estava fraca.

Beijava minha mão, fazia cafuné até eu dormir, cantava até fazer você pegar no sono.

Eu espero que um dia você encontre alguém assim, que te faça sentir especial.

Ou melhor, espero que você seja assim, que trate as pessoas com gentileza, com sinceridade, e que você seja tão forte quanto ela.

Eu te amo de todo o meu coração.E sinto muito não poder estar ao seu lado durante o seu desenvolvimento.

Lembre de agradecer os pequenos e simples atos, de não se prender aos erros ou mágoas do passado.

Estou partindo em paz, porque sei que estará bem cuidada.

Ps:Me orgulho muito de você!

Ass:Avril

O caderno tinha a minha filha como destinatária, mas não pude deixar de ler a primeira página.

O material foi deixado em uma gaveta da cômoda do quarto dela, e quando fui pegar uma roupa para trocá-la, encontrei.

Agarrei a menininha em meus braços, ainda molhada após o banho.Me desfiz em um choro silencioso para não assustá-la.Secando lentamente cada pedacinho dela.

--Mamãe, que horas ela chega?

--Ela não vai chegar, meu anjo!

A Alex não compreendia a morte da Avril.E não tinha nada que eu pudesse fazer a respeito disso.

Embalei a menina, cantando baixinho até ela adormecer.

Fui até a cozinha procurando algo para beber, lembrei de uma garrafa escondida no fundo do armário.

Eu queria quebrar algo, gritar, socar, bater a cabeça na parede até sangrar, no entanto precisava de algo silencioso.

Os sentimentos se misturavam em minhas veias, a raiva e a melacolia foram engolidas em um copo de Uísque.

-- Porra.Inferno! Eu odeio essa merda de vida!

Recusei diversas ligações.

Bebi um outro copo, e mais um.
Sentindo o corpo anestesiar, no último gole.Só então dormi no chão da sala.

--Mamãe, acorde!Eu "to" com fome!

Acordei toda ressaqueda, observei sucrilhos por todo o chão, além de leite derramado no cabelo da minha filha.

Me senti pior ao vê-la afetada pela minha bebedeira, era quase meio dia, ela havia faltado aula, estava faminta e cheirava a xixi.

Ela tinha tirado a fralda, além de ter tentado fazer o próprio café da manhã.

--Mãe, eu quero isso!-Falou apontando para a garrafa quase vazia.

Levantei com dificuldade, imaginando como seria horrível se ela tivesse bebido o conteúdo e eu a perdesse também.

Arrumei o lanchinho da minha filha, dei um banho nela, arrumei a casa, e finalmente consegui deitar no sofá ao lado dela para assistir desenhos.

A campainha interrompeu minha distração, e quando fui atender a porta, a menina grudou na minha perna.

--Não!Não!

--Já volto, bebê!

Lauren estava na porta, aguardando.
Então a recebi, com um pouco de decepção.Não que eu não amasse minha irmã, só imaginei que fosse a Karla.

--Eu preciso falar com você, Laura.

Comecei a explicação sobre as palavras da Avril, mostrando o caderno à Lauren.Todavia ela parecia ansiosa por mudar de assunto.

--O que foi?

--Aquele bebê, você não acha que pode ser seu?

--O Noah?

--Sim.

Será que a Karla seria capaz de esconder uma gravidez e não me deixar participar da vida do meu filho?-Pensei.

--Você deve confrontá-la, mana!Eu tenho certeza, aqueles olhos são intensos como os nossos.

Por uma fração de segundo a esperança me iluminou.

--Onde ela está?

--Na minha casa. No entanto você precisa ser cautelosa, não esqueça da pessoa com quem ela está se relacionando.

--Eu sei.

--Se precisar de ajuda com algo, qualquer coisa, pode contar comigo!
Eu vi que a sua filhinha não foi a aula hoje.Posso começar a passar aqui e levá-la se você quiser, é caminho.

Agradeci a oferta, mas recusei.

Pensei em como seria cuidar dela sozinha, e ainda estudar e trabalhar.

--Fique bem!

Lauren poderia ter ligado, ou enviado uma mensagem, porém preferiu vir pessoalmente para conferir se eu estava bem.E como sempre disfarcei.

--Mãe, por que a tia Lo falou que você tem um bebê?Quando ele chega?Você vai me trocar por outra criança?

A menina sempre prestava a atenção em tudo falado ao seu redor, embora não compreendesse muito bem, falava perfeitamente.

--Esqueça essa história, só você é meu bebê.

Ela estava com fome novamente, então pedimos pizza.

Eu não consegui comer nada, minha garganta estava travada.

Disquei para a Karla, na expectativa de que o número ainda fosse o mesmo.

--Alô, você está bem, Laura?

--Eu estou.Só preciso tirar uma dúvida.Você pode vir até a minha casa?É que eu preciso falar contigo.

--Ok.Chego aí em alguns minutos.

(Karla)

"Ela sabe, ou desconfia.Ai meu Deus o que eu vou fazer?"

--Eii você quer ir para um hotel?Estou me sentindo estranha aqui na casa das suas mães.Elas me olham como se eu fosse assar as crianças e  jantá-las enquanto vocês dormem.

Ri da brincadeira da Villanelle.E concordei com a ideia, assim eu ganharia algum tempo.

--Ok.Você pode procurar um local pra gente, nesse tempo vou arrumar as coisas.

A loira saiu do quarto após me beijar na testa.

Saí assim que ela virou as costas, carregando o meu pacotinho de doçura.

O Uber me levou até a casa da Laura, em menos de 10 minutos.

Gelei ao apertar o botão para chamá-la.

--Entre por favor!

Ela estava com um semblante sofrido, pálida como uma vampira.

--Eu só quero saber sobre o Noah.Por favor não minta pra mim...Esse bebê é nosso?

Engoli a saliva a olhando assustada, afinal Laura sempre foi muito direta.
E se eu respondesse a verdade ela me odiaria.Se eu mentisse ela poderia pedir um exame e ter a certeza de tudo e me odiar também.

Comecei a chorar entre soluços, concordando com a cabeça.

Ela apenas nos abraçou ternamente, chorando também.

O som da campainha interrompeu nosso momento, fazendo a garota de olhos verdes sair para atender.
































Segredos obscuros (Em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora