Pedaços

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Terceira Pessoa

– Lydia!

Mitch gritou por impulso, e não teve tempo sequer de tentar acalmá-la quando Martin disparou para a porta enorme, correndo desesperada enquanto lágrimas ardentes molhavam seu rosto. Seu mundo em ruínas agora se multiplicava em novos milhões de destroços, caindo majestosamente em sua cabeça enquanto as lágrimas rolavam e rolavam sem fim.

Ela correu pelo corredor chorando, gemendo, soluçando, as mãos trêmulas e incertas cortando o ar com o temor desenfreado que fluía dos ombros empedrados.

As vozes da mãe da irmã preenchiam os ouvidos, tantas risadas e declarações sinceras transformando-se em lâminas que cortavam sua alma ruída. Ao chegar no elevador, Martin esmurrou o botão repetidas vezes, tremendo tanto que precisou se abraçar, os impulsos do choro esmurrando a garganta que proferia arquejos doloridos.

Encostou na parede fria do elevador, enxergando um vulto distante diante dos olhos embaçados. Ouviu Mitch chamá-la pelo nome, o choro agonizante fazendo seu peito disparar em luto e descrença enquanto as portas rolavam a isolando do agente.

Sozinha, o silêncio do cubículo fez o choro parecer ainda maior que seu próprio corpo. Sentia nos dedos a textura da pele do rosto de Katherine, e recordou-se de todas as vezes que a mãe a acariciou no cabelo com sussurros doces para que dormisse.

Os joelhos enfraqueceram da mulher enfraqueceram, fazendo-a se apoiar com mais força contra a parede fria, trazendo uma mão ao peito na tentativa de controlar a pele que saltava com os tremores. Um sino tilintou e as portas abriram. Lydia caminhou ansiosa para fora e ao entrar no quarto, lutou desesperadamente para encontrar a chave da porta.

Desde que havia chegado ali Martin nunca pode trancar o quarto, o que era outra razão para que se sentisse uma prisioneira. Entretanto, se recordou em meio as lágrimas desenfreadas que podia trancar o banheiro. Correu aos tropeços para o cômodo e ao entrar, encostou na fechadura, mas não conseguiu se trancar. As mãos chacoalhavam com inconsistência e seus músculos pareciam uma gelatina à parte do corpo, perambulando no metal. Era como se não quisessem obedecê-la, uma máquina ganhando vida própria em meio ao holocausto.

Quando ela finalmente rosqueou a fechadura, deu passos confusos, de costas, e se encarou no enorme espelho ao lado. Perdida, atônita, com dores irradiando pelos poros. Os olhos vermelhos já estavam inchados, seu nariz igualmente tingido pela cor e seu rosto molhado, todo escorrido por lágrimas doces que pendiam no maxilar em gotas.

Martin encarou seus cabelos ruivos, o mesmo tom que a mãe e a irmã tinham, o mesmo tom natural de sua família. Apoiou as mãos trêmulas na pia fria e chorou, domada pela cascata de lástima que escorria para fora.

– Não... – Sussurrou baixinho, dolorida. Sua cabeça negou abaixada, os olhos apertaram e seu peito ardia como brasa. – Não, não, não...

Lydia passou horas e horas derramando lágrimas, sentindo a cabeça girar, negando-se a acreditar nas palavras de Irene. Olhou de relance para o vidro limpo, encarando seus olhos verdes e pequenos, enxergando Katherine e Gina refletidas neles.

Fragmentos de Theo lampejaram na cabeça, recordando-a de que seu grande amor, confidente e amante, era quem havia transformado sua vida em uma realidade instável e aguardente. Lydia estava quebrada, infinitamente destruída, e reconhecia que algo impossível de ser remoldado agora estava partido em seu peito.

Raiva ardeu em seu estômago misturado a dor avassaladora da perda, desencadeando um aperto firme na mandíbula quadrada. Sentiu tanta raiva que desejou que o corpo explodisse em milhares de pedaços até diluir a sensação. Aquele sentimento áspero e corrosivo que subia pela garganta fechada e desencadeava tremores em suas mãos que ainda permaneciam instáveis, agora rebobinava em seus pensamentos atordoados.

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora