Definhar

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Lydia Martin

O caos era insano, geral e premeditado.

Eu não estava surpresa com a forma que essa noite terminara. Já passaram cerca de cinco horas desde que me sentei nessa poltrona, mas ainda não tive coragem de observar outra coisa além dos meus pés. Minha cabeça é como mil rodovias congestionadas de buzinas e carros parados em filas intermináveis.

Não era difícil imaginar que tudo daria errado, porém, essa certeza se tornou mil vezes pior quando concretizada. Eu não estava preparada para tudo o que vi e senti cinco horas atrás, nem para tudo o que virá quando essas cinco horas se transformarem em uma semana, em um mês, em um ano...

Eu não sei o que fizeram com o Mitch. Não sei onde ele está, não sei quanto seu coração ainda está conseguindo bater ou o quão forte suas pálpebras ainda conseguem piscar e isso não para de me sufocar. A incerteza, insegurança, meu amor por ele... tudo amarrado em minha garganta como um nó de aço. Até engolir se tornou doloroso e uma tarefa pensada.

Sendo honesta, eu não sei se fazem cinco horas. Eu não verifiquei o relógio. Talvez faça menos, ou mais... ainda não tenho vontade de me mover. Minhas mãos, manchadas do sangue da mulher que um dia odiei, estavam enfiadas em meu cabelo. Meus olhos fechados em meio ao terremoto de ondas cáusticas que ainda ardem no fundo de minha cabeça.

Quero chorar, mas não existem lágrimas. Quero gritar, mas não existem cordas vocais disponíveis. Quero tremer, mas minhas entranhas já estão convulsionando.

Não consigo fazer nada. Não consigo sentir nada.

O caos não só foi completo por tudo ao redor, como também dentro de mim.

Perdemos cerca de sete agentes nos confrontos à bala com o Ninho e levamos – desde que o plano de distração de Foster iniciara – no mínimo, quarenta e cinco minutos para reestabelercemos alguma conexão com os outros.

Foster era um dos melhores hackers que tínhamos. Ele era fascinante invadiando códigos ou soando dentro de meu ouvido através da escuta... era... é como se anos tivessem se passado. Eu não me surpreendia mais com essa sensação, como se os períodos curtos de minha vida fossem separados por tragédias e longos meses. Esses longos "meses" sempre eram dias, as vezes até horas... como agora mesmo.

Parece que estou sentada aqui há literalmente meses, esperando alguém de jaleco sair de uma das portas e vir me dizer que Mitch está vivo. Ele precisa estar. Ele precisa estar não só por mim, mas por ele mesmo.

Era isso que Irene iria querer.

Eu vivi tanto tempo ao lado dessa mulher, sempre reforçando a fagulha de raiva que sentia por sua indiferença, pela maneira estúpida que seu nariz sempre parecia erguido para todos. Acreditei que nunca, nem em um milhão de anos, eu poderia ter experenciado um único segundo de empatia por ela.

Eu estava errada. Digerir que ela era mãe de Mitch não tornou nada disso mais fácil, porém, seus últimos minutos de vida olhando para meu rosto marcaram minha alma com cicatrizes fundas e que eu não tinha dúvida de que carregaria comigo para sempre.

Você é boa para ele, Martin. Ela sussurrou para mim. Eu lembro de ter visto orgulho em seus olhos, algum traço de fascínio e realização... eu soube que ela estava, de alguma forma, feliz. Não soube se por Mitch ou se por eu ser boa para ele, mas eu desejei que ele pudesse ter visto aquele olhar. Eu desejei que ele pudesse ter sentido a aprovação dela mais uma vez, porquê nós sabíamos que seria a última.

Irene parou de lutar contra o sangue que a afogava na garganta vários minutos depois que Mitch deixou a sala. Ela sabia que seu último suspiro estava sendo encaminhado, mas pareceu conformada apoiada em meu colo. Eu não sei o motivo.

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora