Sacrifícios

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Terceira Pessoa

Mitch respirou fundo, os olhos preguiçosos rondando a tela do computador. Verificou o relógio na parede do apartamento, sentindo-se ainda mais frustrado quando percebeu que além de não conseguir descansar sozinho, também atrapalhara o sono de Lydia. Depois do exaustivo dia de adrenalina e estresse em relação ao desempenho da CIA no caso do Ninho, Mitch ansiava dormir ao menos uma hora que fosse. Seu corpo estava domado por exaustão em todos os pontos possíveis de pele, mas, por alguma inquietação e desconforto, acabou não conseguindo se render ao cansaço.

Levantou da cama, a cabeça girando ao pensar em Irene, em como seu coração estava afogado na garganta, em como a sensação de desamparo que passou toda a adolescência sentindo, agora ardia outra vez em cada pensamento seu. Cansado de fugir do problema, decidiu encará-lo de frente.

Se acomodou no sofá da sala em busca de mais conforto enquanto mergulhava nas informações da ficha de Oliver Donnavan, enviada aos agentes por e-mail. Pouco mais de dez minutos depois, Lydia apareceu no cômodo alegando que também não conseguia dormir.

Mitch não acreditou por completo na afirmação, mas acabou por não relutar sobre isso. Distraiu-se do trabalho enquanto observava Lydia se movimentar por sua cozinha, vestida com uma de suas camisas sociais. Mesmo que não tivessem feito sexo naquela noite, a Martin havia adquirido um vício pessoal em usar roupas com o cheiro do agente.

Ela usou a cafeteira e organizou duas xícaras, sem reparar nele. Da mesma forma que Mitch, ela se via resumida a pensamentos desgastantes. Ainda lidava com a culpa pessoal por tudo que acontecera, a raiva por Theo e Donnavan terem fugido, seu arrependimento por ter dado ouvido a fidelidade cega do coração quando decidiu que não queria esconder de Mitch que havia modificado as informações de um protótipo falso, burlando uma espécie de cópia menos aprimorada com o auxílio de Hurley enquanto mantinham o verdadeiro em segredo e fora do alcance da corporação. Se via dividida e confusa e perdida por várias razões. Naquele momento em especial, tentava drenar toda sua energia em preparar um café e manter-se focada no trabalho, mesmo quando todo o restante de sua consciência implorava para que se desligasse da realidade.

Mitch observou como os movimentos da mulher eram graciosamente naturais e fáceis e leves. O cabelo ruivo – solto e ondulado – formava um contraste bonito contra a camiseta branca. Olhando para ela, pensou em tudo que haviam passado juntos nos últimos dias. Rapp ainda acreditava que algo o separava por completo de Lydia, talvez porquê ela – assim como ele – ainda digeria o fato de Irene ser sua mãe biológica, ou pela bomba de estresse que caiu sobre eles quando passaram pelo conflito em relação ao protótipo.

Ele sabia que Lydia se preocupava com ele, que todas as palavras afetuosas que ela lhe dissera nas últimas horas eram verdadeiras, mas isso bastava para que o relacionamento sobrevivesse? Para que a rachadura aberta entre eles pudesse se reintegrar?

Mitch ainda não tinha essa resposta e esse era outro motivo para se lembrar de que deveria estar olhando para a tela do notebook no colo, quando na verdade encarava a agente a alguns metros. Seu coração pulou na língua quando Lydia aproximou-se dele com duas xícaras, oferecendo-o um sorriso que beirava a tenso e gentil. Ela se colocou ao lado, puxando as pernas para cima do sofá enquanto se acomodava no encosto.

O agente bebericou o café quente, apoiando a xícara na cômoda ao lado.

– Conseguiu alguma coisa? – Perguntou ela, olhando para o computador.

Mitch suspirou com chateação.

– Além de ter interrompido seu sono, nada.

Lydia o lançou uma breve cara de tédio.

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora