Lydia Martin
– Meu Deus, Lydia! Ele é um gato.
Ri baixinho, lavando os pratos enquanto Katherine secava a louça e seus olhos, curiosos e interessados, voltavam ora ou outra para mamãe e Henry conversando na sala. Ela ainda não conseguia acreditar que eu não só estava com alguém bem sucedido como visivelmente interessante.
– Pare de babar. – Cochichei baixinho, e ela riu.
– Onde vocês se conheceram?
– Em um barzinho lá em Nova Iorque, começamos a beber e conversamos praticamente a noite inteira.
– Nossa, maninha... – Exclamou, e nós duas ouvimos mamãe e Henry rirem de alguma coisa, relaxados no sofá. – Espero que o dom para escolher homem também tenha caído sobre mim.
– Pare de besteira. – Murmurei. – Seu último namorado era ótimo.
Katherine gemeu.
– Nem me fale desse idiota. Vamos voltar a falar do seu executivo musculoso e de barba bem feita.
Limpei aflita as novas lágrimas de meus olhos, exausta de que ainda conseguisse chorar diante das memórias. Exausta de minar tantas energias tão rápido... Não conseguia acreditar que minha mãe e minha irmã estavam mortas e a porra da culpa era minha!
Eu tinha o trazido para nossas vidas, deveria ter percebido antes que alguém tão jovem não podia ser tudo que ele era. E agora elas estavam mortas... Eu não consegui ouvir as explicações de Irene. Quando a verdade atravessou meus ouvidos, meus pés dispararam para a porta como um reflexo. Queria ficar sozinha, queria desesperadamente fugir daquelas paredes claras.
Estava trancafiada naquele lugar há mais de uma semana e a ideia de sofrer por minha família mais uma vez dentro daquele quarto, com pessoas que sequer me conheciam direito, me enlouqueceu completamente.
Não pensei em mais nada e dei ouvido à todas as vontades dolorosas que choraram em minha alma. Voltei até a sala de Irene ainda perturbada e encontrei Mitch e todos os outros, inclusive a diretora, discutindo e trocando explicações. Pela maneira que os olhos de Irene fuzilavam os agentes – principalmente Rapp –, a conversa provavelmente acabaria mal.
Mas eu não estaria ali para saber. Não mais.
Eu estava exausta e um caos completo por dentro e por fora. Minha cabeça pesada e lenta me atrapalhava a dirigir, a merda do corte em minha mão – prejudicado pelo roubo da picape –, sangraria até que eu pudesse parar e limpá-lo, meus músculos rígidos doíam e meus olhos inchados eram um incômodo extra. Me remexi na poltrona dura, verificando o relógio no pulso.
Faltavam vinte minutos para minha fuga na CIA completar oito horas. Não precisava estar lá para saber que havia despertado uma fúria violenta na diretora da sede e Mitch e Sophie, provavelmente estariam preocupados com a possibilidade de alguém do Ninho colocar as mãos em mim.
No fundo, algo dentro de mim, algo que já estava destruído, acreditava que talvez essa chance não fosse tão ruim. Desde que havia saído de lá me perguntava como eu me sentiria se o encontrasse. Minhas veias ardiam com a raiva corrosiva e meu coração dilacerado estava perdido dentro do meu corpo. Eu daria tudo para enfrentar meus piores demônios ao olhá-lo nos olhos e poder fazer qualquer coisa que me desse vontade.
Talvez eu o matasse. Talvez eu matasse meu Henry... Sempre havia sido muito impulsiva e intensa com relação as minhas emoções e por mais que algo em mim ainda o amasse e esse sentimento me destruísse, eu também o odiava. Ele tinha tirado tudo de mim. Henry, meu Henry, que cuidou de mim tantas vezes, que beijou todo o meu corpo, que me abraçou em noites frias, tinha condenado a minha família. Tinha condenado meus pensamentos.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Crow's Flight
Misterio / SuspensoApós o término do namoro, Lydia Martin segue uma rotina monótona e apesar de todas as tentativas, não consegue esquecer o ex. Suas maiores preocupações eram reatar com Henry e recuperar as notas da faculdade, até que sua vida é desestruturada com a...