Desligada

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Lydia Martin

Pisquei pela centésima vez. Minha língua ainda parece feita de pedra, da mesma forma que todo e qualquer comando que eu tento lançar aos meus dedos se perde pelo caminho.

Acabei de acordar, mas ainda estou cansada. Acabei de respirar fundo, mas meus pulmões ainda estão ardendo. Sinto-me curiosa – e preocupada – com o fato de não reconhecer o teto que estou encarando há vários minutos. Mal consigo sentir minha pele, mesmo sabendo que estou deitada em uma cama relativamente macia e com lençóis limpos, considerando o cheiro de flores que eu respiro.

É como se minha consciência estive empolada em uma linha interminável de silêncio. Tenho a impressão que algo está errado, mas continuo sem entender o quê... é como se alguma coisa estivesse tentando acordar debaixo dos meus poros. Uma pontada. Um beliscão. Dor.

Acho que... algo deveria estar doendo. O que deveria estar doendo? Pisquei mais uma vez, devagar, engolindo com a garganta seca. O mero ato de engolir conseguiu me deixar aliviada, ao menos um pouco.

Continuei imóvel, apenas existindo, tentando alcançar minha insconciência em algum lugar dentro de mim. Em contradição às ondas ácidas de preocupação inerte em minhas entranhas, sinto-me sutilmente relaxada na cama.

Eu deveria estar preocupada? Em pânico? Tentando gritar? Talvez fugir... mas para onde?

Uma bola ardente desceu até meu estômago. Não consigo sentir... não consigo pensar...

Meus dedos não tremem como deveriam, minha cabeça não está assustada como deveria, meus pés não estão correndo como deveriam, meu coração não está agitado como deveria... o que está acontecendo?

Fechei os olhos, meus dentes cravados em estresse enquanto eu me esforçava para tentar funcionar. Eu liberei algum som, mas ele se deteriorou antes que pudesse chegar até minha percepção. Meus dedos doeram com alguma pressão e só então eu percebi que estava os sentindo. Eu estava desesperadamente os apertando em punho. Impulso cortou-me de dentro para fora.

Sentei na cama e agarrei a borda do colchão, atingida por uma rajada de dor na nuca. Apertei os olhos, minha garganta doendo enquanto uma sombra de confusão e figuras esticadas e vazio tomava minha cabeça. Estou tonta. Estou gemendo e gritando e sendo afogada na dor lasciva. Era assim que deveria estar doendo?

Perdi a noção de tudo ao redor, resumida apenas a sensação que chicoteava meu cérebro, dissipando meu oxigênio. Meus dedos deveriam estar tremendo, minha garganta deveria estar vibrando como um terremoto em mar aberto... poderiam haver lágrimas de dor em meus olhos? Não posso perceber nada além da escuridão de minhas pálpebras.

Mãos tocaram em meus ombros. Alguém chamou meu nome. Talvez horas tenham se passado, talvez minutos, mas tudo terminou depois de um tempo indefinido. Devagar, concentrando-me em respirar, sabendo que não me sustentava sozinha – mesmo sentada –, abri meus olhos.

Olhei para ele. Ele olhou para mim.

Nós dois estávamos ofegando. Ele está de cócoras, ao lado da cama.

Seu rosto moldado em pânico e preocupação e afeto bastou para soprar uma alavanche de memórias para dentro de mim.

CIA. Minha sala. Um corvo. Uma bomba. E então, apenas escuridão.

Eu... cai? Sim... eu cai. Eu o puxei comigo porquê... soube que o cronômetro estava chegando ao limite quando saímos da porta.

Mitch tocou em meu rosto, seus polegares frios deslizando por minha pele enquanto ele observava-me desde a raiz do cabelo até o queixo. Existia tanta preocupação em seus olhos... tanto afeto em seus dedos...

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora