Sangue

44 3 0
                                    

Mitch Rapp

Uma explosão diferente a cada pequeno riacho de sangue que desce.

Eu gosto disso.

Talvez eu não devesse, talvez seja cruel... entretanto, ainda gostava. Gostava pra caralho. A primeira vez que o machuquei, a sensação ardente na boca de meu estômago logo se dissipou. Acontecera mais como um sopro. Um sopro tão rápido e passageiro que eu mal pude sentir. Precisei repetir outra vez.

A segunda vez foi imensamente mais satisfatória do que a primeira e agora, esse deve ser o décimo corte que estou fazendo nele, mas as coisas ainda não mudaram. Ele ainda não respondeu minha pergunta. Ele ainda não me disse como conseguiram nos atacar no esconderijo. Ele ainda não me disse onde está Foster. Ainda estou gostando disso.

Eu não sei o nome dele, mas gosto de chamá-lo de Merda.

Merda me acertou um fodido soco no rosto. Merda e seus amigos atiraram contra nós. Merda e seus amigos machucaram a mulher que eu amo. Eu quero matar o Merda.

Todos os sentimentos dos últimos dias estão embolados no fundo de meu estômago e eu não consigo pescá-los, arrancá-los, não consigo fazer nada além de senti-los. Tentei várias vezes chutar esse peso para fora durante os dias em que lidei com o fato de Irene ser minha mãe, de eu e Lydia termos sido vítimas de uma bomba, de que meu amigo Foster já não fosse nada além de inimigo.

Eu percebi que não podia mais lutar contra nada disso. Eu aceitei essa porra de cárcere, de inferno, de condenação... o que quer que seja. Eu aceitei. Vinha me cansando de todo esse peso há muito tempo e em algum momento tornou-se demais para combater. Unir-se foi a melhor solução.

Não me preocupava em parecer cruel para o Merda, porque eu realmente era. Não me preocupava em sentir um fúnebre e fodido prazer ao arrancar sangue do Merda, porque eu sentia.

Eu me preocupava com o quê exatamente, ela estava enxergando enquanto olhava para mim. Um assassino? Um monstro? Ela se questionava se, o tempo todo, se apaixonara por isso? Eu nunca fui essa versão perto dela.

Ao menos escancarada e descascada dessa forma, não. Era isso que anos de sangue e adrenalina faziam conosco. Cada filete de suor do Merda, cada gota de sangue, cada vez que ele morde a boca para controlar um gemido dolorido... eu continuo gostando cada vez mais.

Estava com tanta raiva que poderia destruir uma parede se tivesse um martelo. Uma raiva cega, fatal, insana de tão focada... e ela está por todos os lados. Meus dedos, meus olhos, meus músculos... por tudo. Tomando tudo. Encrustada em cada fibra do meu ser.

Eu não sei se teria coragem de olhar para Lydia agora. Ela está no canto da sala, de braços cruzados enquanto permanece encostada na parede. Eu vi seus ombros tremerem sutilmente quando cortei o Merda pela primeira vez e agora que ele está transformado em uma bagunça de mil riachos vermelhos sobre sua pele, eu imagino que ela esteja ainda mais incomodada. Talvez assustada comigo.

Eu rasguei a camisa do Merda para que tivesse melhor acesso ao seu peito. Ele olhava no fundo dos meus olhos todas as vezes que a lâmina se aproximava e só os desviava quando os espremia para controlar o acesso de dor. Eu repeti o movimento e não pude conter um sorriso em minha boca. Toquei em seu rosto e o fiz me encarar quando tracei um novo corte em seu peito.

– Eu posso passar a noite inteira fazendo isso, caso você esteja em dúvida se estou com pressa. – Eu estava mentindo, mas mantive minha voz fria e alheia na medida certa.

Desde que eu e Allison torturamos Lorenzo descobrimos que, no geral, os membros da facção têm uma boa resistência à dor e essa porra era nosso maior empecilho agora. Eu vinha sentindo há um bom tempo que alguma coisa estava errada e esse sentimento continua se dilatando em meus poros como um fantasma. Isso ainda não mudou. Talvez esteja piorando.

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora