Epílogo: Sufocante

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Terceira Pessoa

Mitch olhou em volta. Já havia observado a enorme sala em tons marrons e dourados várias vezes, a lareira bonita e bem conservada além das janelas enormes do canto do recinto, porém, sempre que admirava novamente, sentia como se captasse alguma coisa nova. Naquela vez em questão, reparou que apesar do piso de madeira impecavelmente bem conservado e brilhoso, existiam alguns arranhões em algumas direções aleatórias.

Com a cabeça vazia e as batidas calmas de seu coração, o agente respirou fundo e enfiou as mãos nos bolsos frontais da calça jeans. Faziam seis meses desde que Irene morrera e só então Mitch sentira uma vontade genuína de resolver toda a burocracia envolvida em relação aos bens da mãe biológica.

Irene deixou claro – por escrito – que Mitch herdaria absolutamente tudo dela, principalmente a casa em que morava. Além do condomínio ser grande e bem recomendado, Mitch, por alguma razão, não se via levando uma vida ali. Ainda estava se readaptando na CIA junto com Lydia, lidando com sua rotina de trabalho que não incluía mais ter Irene o dando ordens.

Rapp ganhara uma restrição a missões muito complexas e estava aprendendo, pouco a pouco, a lidar com o pulmão machucado pela facada. Ele não queria parar de trabalhar e, com paciência, estava conseguindo bom desempenho em seus treinos. Quase como se estivesse reeducando sua lesão pulmonar.

Além da melhora física, também reconhecia que dia após dia suas feridas internas se curavam aos poucos. Suas marcas, dores, angústias e todas as outras emoções indesejadas só precisavam de tempo para sumirem. Tanto ele quanto Lydia conheciam aquela verdade, mesmo que a espera fosse dolorosa.

Sua cabeça estava em paz. Às vezes, Mitch ainda era açoitado por alguma dor cega no peito. Uma saudade passageira e dilacerante. Para sua sorte, não demorou para se adaptar com os fragmentos de dor.

Como ele e Lydia haviam conversado, tudo o que ele fazia era esperar, permitir que os movimentos do relógio fizessem seu milagre conforme os dias começavam e terminavam. Sentiu-se feliz por Irene ansiar que ele vivesse ali, que tivesse uma vida boa e digna com tudo o que ela através de seus sacríficos conseguira conquistar.

A intenção de sua mãe era boa e ela provavelmente estava certa, afinal, ele não poderia ser infeliz morando em um lugar enorme e tão bonito quanto aquele. Só que, por mais que se esforçasse, Mitch não podia negar o verdadeiro anseio, seu maior instinto em relação à possibilidade.

Não nutria nenhum sentimento ruim pelo desejo, somente era guiado pela certeza viva em seu sangue de que seu recomeço merecia ser desenrolado no lugar em que sempre viveu. Mitch gostava de seu apartamento.

Era básico, nas suas cores favoritas, na sua definição de ideal. Não conseguia se enxergar naquela casa. Ele sabia que Irene também estaria bem diante de sua decisão. Sorriu quando um fio de calor enrolou em seu coração. Apreciava que pensar nela, pouco a pouco, tornava-se nada além de gratidão e respeito e carinho.

– Puta merda! – Mitch ergueu os olhos e espiou por cima do ombro, as sobrancelhas franzidas. Contemplou os lábios de Scott abertos em choque enquanto ele se agarrava no corrimão da escada, no andar de cima. – Você viu o tamanho dos quartos?!

Mitch soltou uma risada calorosa, virando-se para o amigo. Observou o McCall descer as escadas de dois em dois degraus, ainda com os olhos arregalados e cheios de admiração.

– Porra, você precisa morar aqui! – Ao se aproximar, tocou Rapp nos ombros e sua expressão tornou-se séria e concentrada. – Preste atenção, novato. Isso é a porra de um palácio, está bem? Cara...

Mitch deu um sorriso lateral e balançou a cabeça.

– É bonita, sim, mas...

– Isso não basta?

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora