Transparente

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Terceira Pessoa

Lydia trancou a respiração, as mãos em punho ao lado do corpo segurando todo o medo que corroía as entranhas. Não queria sentir-se covarde em seu último suspiro, mas quando se deu por conta, seus olhos estavam fechados com força. Sem lágrimas. Ela estava pronta para seu fim.

O estrondo cortou o ar. Único, incisivo, letal. Martin esperou pela dor, tentando se convencer de que seria rápido, que seria como arrancar um pelo. Rápido, mas doloroso por um milésimo de segundo.

A dor nunca veio. Ela exalou, abrindo os olhos. O reflexo instintivo de confusão nos rostos de Theo e Foster, que olhavam para trás dela, fizeram sua mente repassar aqueles instantes. O estrondo não era um tiro. O barulho era de uma pancada abrupta contra o chão.

Os breves segundos rolaram como um filme através dos olhos da agente. Lydia olhou para trás. A porta de entrada – por onde ela havia passado mais cedo – estava caída no chão e os degraus da escada, ocupados por agentes de colete e escudos e capacetes militares MICH 2000. Eles estavam com armas variadas entre pistolas e rifles de assalto, apontando para a sala.

Congelada na adrenalina de medo e alívio, ela voltou os olhos arregalados para Theo. Ele a encarou de volta, surpreso, engolido pela mesma confusão e susto no semblante dela.

Ela não soube porquê ele ficou paralisado, não conseguiu entender quais sentimentos estavam acenando em suas pupilas, mas não se deu tempo para isso. A dormência de sua cabeça sofreu uma interrupção abrupta quando atrás de Raeken, ela teve o vislumbre de Foster se aproximando em passos largos. Seu instinto de sobrevivência ardeu nas pernas e Lydia disparou em uma corrida para a saída. Não sabia se Donnavan pretendia atirar nela ou agarrar Theo, mas reconhecia que a CIA iria atacar se necessário. Soube que aquela operação era de emergência.

Não fez esforço para respirar em meio a corrida, concentrada simplesmente em alcançar seu objetivo e sobreviver. Seus pés pareciam formigar, sua boca estava secava seca como se todos os desertos do planeta estivessem resumidos em areia na língua e seu coração dominava tudo: ouvidos, pulsos, peito, estômago. Os batimentos sufocantes e desesperados acertavam cada ponto do corpo dela.

– Lydia, se abaixe! – Alguém do lado de fora gritou para ela.

Martin se jogou no chão com as mãos nas orelhas. Tiros cortaram o ar como vespas em sua consciência. Os dedos tremeram quando foram levados aos ouvidos e, mesmo em meio ao medo, obrigou que o corpo agisse. Começou a rastejar para a porta enquanto os disparos continuavam. Apressada, Lydia se arrastou até uma pilastra que sustentava o segundo nível e se encolheu atrás do concreto.

Trêmula, espiou pela quina. Foster e Theo estavam trocando tiros com os agentes, mas eles já estavam desaparecendo na porta que dava para o corredor onde Lydia havia sido levada para a cela. Quando os criminosos sumiram de vista, os agentes invadiram o lugar. Lydia contou uma equipe de seis deles.

– Tem um deles ali em cima! – Alguém avisou.

Lydia escutou passos pesados e ansiosos no segundo andar, mas não prestou a devida atenção ao caos dos agentes. Relaxou contra a pilastra, o peito subindo e descendo com agonia, lágrimas secas e antigas marejando os olhos enquanto ansiava por um gole d'água. Seus sentimentos se encolheram com tanta força que Martin, se fizesse esforço, conseguiria acreditar que eles estavam tornando-se extintos.

Dois homens se aproximaram dela, agachando para auxiliá-la de perto. Um deles a tocou no rosto enquanto o outro dizia alguma coisa que ela não registrou. Eles usavam capacetes militares.

A forma familiar que um polegar deslizou contra sua pele foi o suficiente. Ela ergueu os olhos para Mitch. Observá-lo não só doeu, reviveu seus últimos momentos com ele, como também a fizera lembrar que minutos atrás, quando estava prestes a morrer, aquele havia sido o último rosto que passara por sua cabeça.

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora