Elo

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Terceira Pessoa

Com cuidado, Mitch ajudou Lydia a sentar na cadeira. Eles estavam em silêncio desde que saíram do quarto de hospital, quando a agente foi liberada. Os pedaços da conversa entre os dois ainda entoavam dentro da cabeça de ambos, mas nenhum deles se dispôs a retomar o diálogo depois do quão cansativo aquele dia já vinha sendo. Preferiram acobertar o assunto e retomá-lo no momento certo.

Quando a Martin se acomodou na cadeira e assentiu em uma gratidão silenciosa, Mitch a deu um olhar que brilhou de lealdade. Como o combinado, ele cumpriu sua promessa de não dizer a ninguém o que haviam conversado sobre o protótipo. Ele se acomodou ao lado da mulher e apesar dos músculos rígidos, tentou ignorar a corrente fria que embolava no estômago todas as vezes que pensava nas últimas horas.

A junção de Foster e Irene em seus pensamentos faziam, todas as vezes, seus punhos cerrarem em uma tentativa de reprimir a raiva. Ainda estava decidindo como se sentia a respeito da mãe biológica, puxado para seu instinto carente e infantil e ao mesmo tempo fortemente reprimido pela ira de um homem adulto que convivia diariamente com violência. Em suma, sua preocupação com Irene era indistinta e acomodada, considerando que ele lidava com o sentimento desde que descobrira há pouco tempo.

Entretanto, seu corpo estava mais concentrado na fúria reprimida que nutria pelo antigo amigo. Conhecia Donnavan desde que entrara na agência e agora, cada lembrança deles juntos, era tomada como uma maldita tortura. Além de irritado, sentindo-se quebrado em traição e a raiva cega que fez suas mãos se tensionarem no colo, Mitch também experenciava a culpa inevitável de acreditar ter auxiliado Foster quando começou a investigar Irene e juntos, descobrirem sobre a existência de Oliver.

A expressão endurecida e distante do agente que, naquele momento, não conseguia sequer ser atingido pela sensação boa que estar ao lado de Lydia acendia em seu peito, não passou despercebida pela mulher.

Martin queria ajudá-lo, mas não sabia como. Lidava com tantos problemas dentro de si mesma, tantos sentimentos amarrados na garganta, que parecia impossível cogitar tentar livrá-lo de algo quando ela própria estava condenada ao inferno pessoal de sua cabeça. Com os braços doloridos e ralados e pontadas agudas nas têmporas, preferiu ficar em silêncio. Ela observou a sala vazia, recordando-se de todas as vezes que esteve ali com Irene. Irene que era mãe do homem que ela amava. Uma nova carga de decepção tomou seus olhos que acabaram voltando-se para ele, mas Mitch não a correspondeu.

Ele encarava a mesa de vidro, a atenção distante daquela sala azulada. Poucos minutos passaram até a porta se abrir outra vez. Sophie e Allison caminharam para dentro e atrás delas, Irene surgiu as seguindo.

Mitch se virou para a frente com um suspiro desconfortável, relaxando as mãos apertadas ao passá-las na calça jeans. Ao lado dele, Lydia não disse nada mesmo quando percebeu a nítida inquietação. Mais uma vez, o agente não olhou para ela.

Lydia não teve forças nem para sentir-se chateada com a espécie de frieza vindo dele. Todas as vezes em que pensava na situação de Rapp, uma nova onda de preocupação sufocava suas entranhas. Independente do quanto pudesse se esforçar para entende-lo, ela sabia que nunca poderia sentir – verdadeiramente – o que ele sentia.

Sophie e Allison se acomodaram em frente ao casal enquanto Irene, como se costume, ficou em pé. As agentes pareciam tomadas por nada além de chateação, embora Lydia tivesse cogitado que pudessem estar aterrando alguns sentimentos dentro delas mesmas – como ela fazia –. Já Irene, parada na ponta da mesa com as mãos atrás do corpo, ainda mantinha a mesma imagem de sempre.

Olhar para Kennedy não despertava na Martin o mesmo sentimento de antes. Passou meses sem conseguir suportar por completo a autoridade da diretora, sempre indo contra a maneira que os instintos dela – quando necessários – eram avidamente profissionais. Perguntava-se o quanto doar Mitch para outra família verdadeiramente machucou o instinto materno da mulher, afinal, não soube o quanto ela hesitou na decisão. Como Mitch havia dito, Irene alegara ter o protegido ao tirá-lo de vista dos ataques aos integrantes da CIA, mas... Foster havia dito que ela traíra Oliver antes disso e o apunhalara ao escolher a si mesma. Existia alguma chance de, no fundo, Kennedy ter rejeitado Mitch por conta própria? O pensamento bastava para Lydia arder dos pés à cabeça em fúria.

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora