Diamante

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Terceira Pessoa

Jogada na poltrona de couro do quarto de hospital, Sophie encarava a janela do quarto distraída. O sono ameaçava consumir o corpo relaxado, mas a mulher se esforçava para manter-se atenta ora fuçando no celular, ora espiando Lydia dormindo na cama.

A agente suspirou pela terceira vez no dia, levantando. Esticou as pernas com um gemido contido, sentindo os músculos irradiarem exaustão. Guardou o celular no bolso e passou as mãos pela calça jeans, dando passos até perto da janela. Espiou o dia nublado do lado de fora, abraçando o próprio corpo.

A rangida da porta atraíram seus olhos castanhos.

Mitch adentrou o cômodo em passos serenos. Estendeu um dos copos de café que trazia na mão para Sophie que pegou sem hesitar, dando um gole longo na bebida quente. Os olhos castanhos do homem inspecionaram Lydia na cama, certificando-se que estava bem.

Nos poucos instantes que a observou, Rapp foi atingido pela tempestade faiscante de emoções que Martin desencadeava em seu corpo. As lembranças da noite anterior drenaram nos pensamentos, recordando-o de como os olhos verdes se corromperam em fúria com a discussão entre os dois.

Quando retornou para casa na noite anterior – após o resgate de Lydia – e relaxou na cama, uma onda de arrependimento pelas palavras que disse corroeu o estômago de Mitch. Estava tão consumido pela raiva dos últimos dias, pela insegurança sobre a vida dela, que ao vê-la bem e viva não conseguiu conter o impulso de despejar as preocupações que sufocavam seus pensamentos desde que havia partido.

Não sabia se a considerava impulsiva ou corajosa, mas entendia que estava cega por revolta e a desolação que o luto desencadeava. E Mitch conhecia aquela sensação melhor do que ninguém. Sabia como era perder alguém que amava, reconhecia o potencial de um luto difícil e Martin era vítima de toda aquela situação.

Se arrependeu de cada palavra que lançou ao vento e olhando para ela dormindo, todas voltaram repentinamente aos seus ouvidos, tornando a acusá-lo de insensível. As bochechas de Rapp coraram pelos próprias pensamentos, e ele, despercebido, soltou um bufar. Imaginou como Lydia enfrentaria seu mundo desmoronado ao acordar, se existia algo que ele pudesse fazer para consolá-la.

Sophie, ao lado do colega de trabalho, lançou-o um olhar de esguelha. O semblante abatido não passou despercebido pela mulher que cochichou, curiosa:

– O que aconteceu entre vocês?

Mitch uniu o cenho, genuinamente confuso. Ao perceber o interesse exagerado no rosto dela balançou a cabeça, murmurando antes de dar um novo gole no café:

– Nada, White.

Os olhos da agente permaneceram no semblante abatido, observando-o sem hesitar. O agente esforçou-se para ignorar o desconforto da cobrança nos olhos da subchefe.

– Então por que está com essa cara de cachorro sem dono?

Rapp bufou com a provocação, encarando-a com tédio enquanto Sophie engolia uma risada, se reduzindo a um sorriso provocador.

– É sério...

– Só estou preocupado com ela. – Confessou repentino, torcendo para que a explicação fosse o suficiente.

O rosto de Sophie amoleceu. A mulher brincou com a borda do copo de café, dando espaço para os sentimentos agoniantes que rondavam a cabeça desde cedo.

– Eu também. – A voz baixa e apreensiva incluiu: – O que você acha que vai acontecer agora?

Rapp lançou um olhar para Lydia, reparando pela primeira vez no cabelo ruivo na altura dos ombros. Os fios que costumavam serem sedosos estavam mais opacos e rebeldes, embora os olhos castanhos de Mitch tivessem brilhado de admiração da mesma forma. Ele se desconectou da novidade, tornando a beber o café enquanto pensava na pergunta de Sophie.

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora