Véu de rancor

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Lydia Martin

Eu disparava meus punhos repetidas vezes, contendo a respiração ardente em meus pulmões, concentrada na medida da força raivosa que eu podia liberar. Ora ou outra eu arriscava um chute lateral, embora eu ainda fosse muito principiante na manobra. Esforçava-me para soprar meus pensamentos traiçoeiros da cabeça, mas eu estava em um turbilhão intenso e consistente.

Uma nova semana havia se passado desde o relatório da missão do Ninho sobre Lorenzo, e nenhuma nova movimentação – registrada, ao menos – tinha sido captada para o caso. A palavra "cobaia" girava como uma serpente por meu cérebro, chiando enlouquecida.

Eu pensava muito sobre o que podia significar, sobre qual era minha ligação com Theo, sobre o que ele poderia querer comigo... Ele já sabia que eu me tornaria agente? Eu faria coisas inimagináveis por essa resposta.

Quando conseguia me distrair da preocupação sobre meu coração partido, minha cabeça tornava a cutucar meus sentimentos todas as vezes em que eu olhava no espelho. Katherine e Gina ainda estavam vivas sob a minha pele. Eu já não pensava tanto nelas, felizmente a Resguarda era uma boa fuga da realidade – como eu tinha imaginado – mas, de qualquer forma, ainda existiam noites em que eu me deitava para dormir e por todo o silêncio do dormitório uma onda venenosa de dor percorria até me atingir.

E eu chorava. Quieta, imóvel, molhando meu travesseiro, ainda assustada com o que minha realidade tinha se tornado em tão pouco tempo. Chorava até que a sensação se diluísse por conta própria, até que eu não conseguisse mais produzir lágrimas e pudesse voltar a mergulhar no vasto de vazio e dor que eu era. Um vaso sem conserto.

Tentei manter meu foco da semana nas atividades físicas, me forçando a crer que suar e descarregar energias poderia me aliviar em algum nível. Por fora eu podia fingir que funcionava, mas eu sempre soube que era uma ideia ilusória.

Eu vivia em uma perturbação constante, como se nunca pudesse chegar em um estado de satisfação onde não fosse sugada por uma nova necessidade de descarga de sentimentos. O suor frio banhava meu corpo dos pés à cabeça e por dentro, contraditoriamente, eu ardia em calor.

Lancei um breve olhar para a janela antes escura, me surpreendendo ao enxergá-la agora com traços potentes de luz. Cheguei naquela área de treinamento por voltas das quatro da manhã, ainda de madrugada, o que explicava como meus músculos choramingavam para torcerem em câimbras ansiosas.

Eu não podia estar ali, umas das regras principais da Resguarda era seguir à risca nossa agenda intensa, mas eu não aguentava mais a merda de sono que tinha todos os dias. Naquela noite em especial, consegui dormir por no máximo três horas, até acordar suada e ofegante de um pesadelo atordoado.

Precisava fazer alguma coisa ao invés de encarar as paredes e ser consumida por meus pensamentos confusos e mesmo sabendo que corria o risco de tomar uma advertência, eu decidi sair. Verifiquei meu relógio no pulso e retomei minha sessão de socos, me concentrando em meus movimentos nos últimos vinte minutos que me restavam.

– Precisa de mais firmeza no esquerdo, Martin.

Meu corpo congelou. Cruzei com olhos profissionais e curiosos, perdendo o ar por um instante. Ah, merda... Hurley não podia ter me pego aqui! Ele esperou que eu aderisse à instrução com a paciência que eu já conhecia, talvez até se divertindo com o choque em meu rosto.

Apesar de Stan ser rígido e exigente conosco, ele tinha uma admirável paciência disciplinada. Meus nervos estavam assados de exaustão, mas eu o obedeci. Retomei os socos me atentando na mão não dominante, drenando mais energia para aquele punho.

Mesmo sem olhá-lo eu sabia que estava prestando atenção em mim.

– Há quanto tempo está aqui? – Perguntou ele.

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora