Poça de ácido

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Terceira Pessoa

A Mercedes preta parou na rua vazia de Fairfax. O sol escaldante daquela tarde fizera Mitch estreitar os olhos em desconforto, espiando pelo para-brisa ao apertar as mãos no volante. Puxou o celular do bolso e verificou as horas, conferiu o endereço nas notas do celular e em seguida, desligou o carro.

Encorajou-se com um respirar fundo, tentando ordenar os pensamentos. Queria acreditar que fazia o certo, o que era necessário, mesmo quando seu coração batia contra o instinto. Alisou mais uma vez as mãos no volante e desceu do veículo, olhando para os dois lados da rua.

Encontrou, há bons metros, um carro estacionado. Ele apertou os olhos, voltou a olhar ao redor, mas não enxergou ninguém na rua pacata. Verificou o relógio outra vez, a ansiedade matutando em suas têmporas, os ponteiros rodando parecendo atrasados diante do ritmo de seu cérebro.

Bufou sozinho, enfiou as mãos nos bolsos e encostou na lataria da Mercedes, dando um novo olhar para a pequena residência familiar. O modelo discreto, carregado de rotina convencional e um bege antigo fez um sorriso debochado passar por sua boca.

O bairro silencioso era repleto de árvores verdes e vivas, casas tingidas de tons marrons e cinzas. Distraído, apertou e relaxou as mãos em punhos nos bolsos e observou as caixas de correio, uma por uma, que seguiam na beira do asfalto. Suas veias dilataram em receio quando enxergaram os números que buscava. Tornou a olhar para os lados e, forçando-se a engolir o bolo de gelo na garganta, caminhou em direção à residência.

Entretanto, sua atenção foi drenada quando a vibração do telefone agitou o bolso traseiro da calça. Os pés pararam e ao ler o número na tela, atendeu a ligação sem hesitar.

– Oi, Lydia. – Disse ele com um curto e despercebido sorriso.

– Ei, como está o Scott?

Mitch passou uma língua ansiosa pela boca, seus olhos escurecendo em pesar mesmo que ela não pudesse ver. Ele ocupou a nuca com uma mão, se permitindo uma breve massagem ao sentir os ombros petrificarem com as fagulhas de sentimentos.

– Está melhor. – Disse baixo, um fio desanimado esticando a melodia. – Ele estava dormindo quando passei por lá, mas o médico disse que está bem. Estão procurando um jeito de as crises de vômito pararem.

– Vai dar tudo certo. Achei que você fosse voltar para a agência depois de vê-lo.

Mitch mordeu o lábio conforme um instante de silêncio engoliu a linha. O misto de ansiedade e expectativa da mulher do outro lado foi captado por ele.

– Seu jeito de dizer que está com saudade?

Lydia riu baixinho, aquecendo o coração do agente.

– Meu jeito de querer saber por quê você ainda não voltou.

Ele relutou por um momento, observando o asfalto. Sua mente dividiu-se por tantas razões que evaporaram as palavras em sua língua. Mitch não sabia o que dizer a ela.

A mulher aguardou, quieta, sucinta, mesmo quando seus instintos estavam doendo com alguma lasca de desconfiança.

Por fim, ele passou uma mão pelo cabelo e arranhou a garganta, tornando a inspecionar a rua. Encontrou uma silhueta masculina descendo de um Audi preto, aterrando novos instintos em suas veias.

– Mitch? – Chamou Lydia, confusa com a demora.

O agente arranhou a garganta mais uma vez, puxando a linha de raciocínio difuso de volta. Passou a mão livre no cós da calça, certificando-se que a pistola ainda estava ali.

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