Pólvora

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Terceira Pessoa

Os pés de Lydia pararam, criando raízes na grama bem cortada. A brisa das árvores verdes bateu em seu rosto, soprando serena em seus poros aquecidos pelo sol da manhã. Fechou os olhos por um instante, sentindo o furacão de emoções polidas correndo pelas veias e encharcando suas memórias com saudade e negação.

Almejou que todas as lembranças que lampejavam nos pensamentos fossem mentiras que pudessem ser diluídas, resumidas a pólvora de pura insanidade. Respirou fundo, suas paredes internas se partindo e vindo ao chão como se um gigante a esmurrasse por dentro, desfazendo todas as suas estruturas. Seus olhos, que até o momento estavam vazios e perdidos nos próprios pés pousaram em um surto de coragem nas lápides cinzas.

Esperou por lágrimas, pela fraqueza que atingiria as pernas, pela súbita falta de ar, mas Martin não sentiu nada. O buraco oco cavado em seu peito tremeu, reverberando luto por suas entranhas, mas seus olhos permaneceram vazios de emoções pesarosas. Na noite anterior quando havia passado a madrugada inteira acordada, chorando deitada na cama, Lydia ainda acreditava que poderia abrir os olhos a qualquer momento e ao estralar os dedos escapar dos momentos de dor que vivia como se fossem meros pesadelos.

Mas, de alguma forma, quando o sol surgiu em sua janela pela manhã, algo dentro da mulher havia se condensado em uma única emoção que agora cortava as veias em um misto de adrenalina e revolta contida. As mãos tremeram sobrecarregadas de tantas energias e seus ouvidos foram invadidos por risadas, por conversas de almoço de domingo, por declarações sinceras de infância.

Enxergou a cor dos cabelos de Gina e Katherine ao reparar nas rosas vermelhas que já murchavam, mescladas com marrom. E seus dedos trêmulos sentiram a textura dos fios, a maneira como já haviam corrido por eles em meio a abraços singelos.

Lydia piscou atônita, um balde de água fria escorrendo por seu corpo enquanto a realidade esmurrava seu peito repetidas vezes, mostrando que aquele momento era real, provando que sua família estava morta.

Ela ofegou baixinho e seu organismo contrariou o pensamento linear e automático, exausto de tantas emoções, drenando lágrimas repentinas e ardentes em seus olhos verdes. E então, Martin chorou. Rendeu-se aos sentimentos que antes adormecidos por cansaço, agora se agitavam em seu íntimo com pontapés e arranhões agressivos.

Alguns passos atrás dela, Mitch se remexeu em desconforto, o peito apertando em uma dor aguda e solidária. Algo dentro de si clamava para que fizesse alguma coisa, para que a ajudasse mesmo que não soubesse como, mesmo que não pudesse reparar o erro que acreditava ter cometido quando Gina e Katherine morreram sem sua frente. Sereno e paciente, remorso o inundou com cargas elétricas de veneno, tomando suas terminações nervosas com espinhos de lástima.

Rapp sentiu a garganta apertar enquanto seu pesar pela mulher guerreava com a raiva por si mesmo. Ao lado dele, a Sophie se mantinha em um silêncio aterrador, as linhas do rosto marcadas por tristeza. Ainda quieto e consumido por tantos sentimentos distintos, os pés masculinos obedeceram a um impulso afetuoso e irracional.

Deu passos curtos em direção a ruiva, se aproximando, incapaz de conseguir vê-la se desmanchar em sua frente sem querer drenar toda a angústia que sentia. Com a língua congelada, sem capacidade de formular uma única frase – principalmente por não saber o que dizer – Mitch não ousou quebrar o silêncio entre eles.

Uma mão quente e delicada tocou a de Martin que estava perdida no próprio sofrimento. Ele brincou com os dedos da mulher por um instante, subindo e descendo pela extensão do dorso, quase um pedido mudo para tentar confortá-la. Os olhos castanhos encararam as lápides acinzentadas, com receio de intimidá-la ao procurar por seu rosto moldado em sofrimento.

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