Uma hora

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Terceira Pessoa

Uma hora havia se passado desde que Lydia começara a contar as rachaduras do piso. Com os cotovelos fincados nos joelhos e os dedos no cabelo solto, seus olhos rondavam por todas as marcas do concreto sujo e empoeirado. Estava dividida em vastos sentimentos, extremos que doíam de formas diferentes na boca do estômago.

Ao mesmo tempo que queria chorar, também tinha vontade de esmurrar alguma coisa. Ao mesmo tempo que queria se resolver com Mitch, abraçá-lo e repetir mais uma vez as três palavras mais reais que já havia dito a alguém antes, também queria empurrá-lo contra uma parede e pergunta-lo mil e uma vezes o porquê de ele não ter dito nada a ela. Seu coração estava moído na garganta.

Ela estava sentada em uma cama que era capaz de ranger até com um sopro. O colchão fino e gasto se tornou desconfortável em menos de cinco minutos, mas Lydia não se importou. Sua cabeça girava em tantas coisas ao mesmo tempo que tudo o que podia fazer, em sua mera confusão humana, era esperar até que conseguisse pensar com clareza em alguma coisa.

O rosto de Foster – ocupando um lugar escuro dentro dela – estava ardendo e ameaçando seu fôlego. Quando pensava sobre a última hora, tentava a todo crucial instante encontrar uma falha, qualquer detalhe que pudesse fazê-la se convencer de que esteve imaginando tudo que aconteceu. Pensar no ex-agente conseguia fazê-la sentir-se a pior pessoa do mundo.

Além de tudo, recordou-se que Donnavan a chamara de cobaia. Lydia sabia que ele não estava blefando quanto à estadia e a cobrança do protótipo. Sempre que pensava em continuar ali ou ser levada como refém – para onde eles fossem – seu corpo desmontava-se em nojo e medo.

Mais do que nunca, queria apenas voltar para Mitch.

Sentia raiva, dor, um desejo impróprio de sangue, mas também parecia precisar conter lágrimas de desespero, de afeto, de saudade. Todos os sentimentos a cortavam com intensidade, mas de jeitos distintos.

Soube que quando a onda de devastação finalmente passasse, estaria livre para guiar os pensamentos para a única coisa que realmente importava. Reconhecia já ter se deixado levar pelo lado pessoal quando não podia e agora, a possibilidade de errar outra vez, abatendo-se em frente a Theo e Foster era inaceitável.

Ela procurou outra vez por objetos de espionagem na sala. Vasculhou a parte de baixo da cama em busca de escutas, os cantos das paredes que poderiam ter câmeras e até se certificou de tocar nas próprias roupas onde Raeken tinha a vistoriado mais cedo. Procurou por algum barulho do lado de fora do corredor, mas não conseguia ouvir nada.

Em sua solúvel segurança, enfiou uma mão na nuca, mergulhando os dedos nos fios ruivos. Trouxe o pequeno grampo aos olhos pouco depois, encarando o pequeno disco rígido que tanto importava. Desencaixou a pequena placa metálica do grampo e segurou-o entre os dedos, examinando-o, pensando em como usar sua chave de saída daquele lugar.

Olhando para o protótipo, seus pensamentos a consumiram outra vez.

Mitch descobrindo que Irene era sua mãe. Lydia descobrindo que amava Mitch. Foster se tornando outra pessoa. Theo parecendo ligeiramente vulnerável. O protótipo entre os seus dedos podendo ser a única coisa que a tiraria dali.

Seu coração doeu, suas entranhas sangraram, seus olhos arderam. Martin se concentrou apenas em respirar. Sentia que suas veias poderiam explodir a qualquer momento.

Em meio a própria confusão, só foi puxada de volta para a adrenalina quando escutou conversas do lado de fora. Suas mãos foram ágeis em resgataram o grampo e encaixarem por baixo do cabelo, prendendo o disco nos fios com as pontas do grampo.

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