Gotas

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Terceira Pessoa

Uma semana depois...

Mitch sentia-se melhor. Dia após dia, seu corpo apresentava algum sinal de que estava se recuperando mesmo em meio aos músculos incessantemente doloridos. O agente já estava habituado a dor – por conta do emprego –, então não se tornou tão difícil lidar com os desconfortos para dormir ou para se movimentar pela casa.

No fundo, o que realmente doía em Rapp já não tinha relação com seu organismo frágil, e sim com o buraco que havia se infiltrado em seu peito desde que Lydia o contara sobre a gravidez. Ele não sabia o que fazer.

O tempo todo nutria algum receio em tocar naquele assunto outra vez, mesmo que fosse para consolá-la. De noite, quando deitavam para dormir na mesma cama – já que Lydia estava morando provisoriamente com ele – não sabia se tinha algum passe livre para estender a mão e tocá-la na cintura. O misto de saudade e dor era um sentimento novo e ardido.

A noite que ainda atormentava seus pensamentos, a noite em que perdera sua mãe e também seu filho, ainda rangia no fundo de sua cabeça o tempo inteiro e ele reconhecia que toda a revolta e ira e desgaste da tragédia estava sendo soterrada pela preocupação por Lydia e pela forma como ela ainda reagia mesmo em pouco tempo.

Lydia se fechara. Ainda estava lidando com a culpa que insistia em afrontá-la, a saudade indesejada que sondava as veias sempre que pensava naquela criança. Diferente de Mitch, ela não conseguia reagir. Estava estagnada em luto e desamparo.

Reconhecia que deveria estar habituada à sensação e a realidade de perder tudo que amava muito fácil, muito rápido, como se sempre estivesse à mercê de um destino que gostava de magoá-la sem grandes razões.

Sua certeza de que deveria estar correndo para fora da chuva de aflição que cobria-lhe a cabeça, ou repetindo para si mesma que em algum momento – como aconteceu em relação à Katherine e Gina – aquele corte aberto em seu peito fecharia tentava lhe mandar um sinal, mas o desespero silencioso em seu corpo tornava Lydia surda.

Não sabia se estava cedo demais para se recuperar ou se simplesmente, desde que tudo acontecera, seu corpo agora fosse, mesmo que de forma inconsciente, condicionado a sofrer. Lydia sabia que dor era parte de sua rotina. Sempre, por alguma razão, ela estava sofrendo.

Naquela semana em questão, não só sofreu pelo filho que insistia em se torturar ao pensar no formato do nariz ou boca, como também pelo receio que formigava nas mãos sempre que lembrava em ter matado Theo. Por todos os lados, em cada célula de seu corpo, um sentimento diferente a consumia. Estava cansada de sentir, de precisar pensar, estava exausta de saber que era estúpida por não ter coragem de virar-se para Mitch e dizer que o amava e só precisava de alguns dias em silêncio.

Para sua sorte, mesmo que não tivesse verbalizado seu anseio, ele reconhecera a necessidade dela. Mitch não tornou as coisas mais difíceis do que já eram e Lydia não demorou para perceber. Dois dias bastaram. Desde que contara a ele sobre o bebê, uma nova rachadura abriu-se entre eles.

O relacionamento que já vinha sendo marcado por perdas e adrenalina há muito tempo, ganhara uma nova perspectiva de desolação com a notícia do filho que perderam. Mitch cogitou conversar, mas não sabia o que dizer a ela. Pensou no que deveria fazer, mesmo sabendo que todas as vezes que encontrava os olhos verdes que reservavam pensamentos agoniantes rondando um prato ou uma janela, sabia que ela não queria que ele fizesse nada.

Ela queria se martirizar um pouco. Lydia era boa com isso, afinal, passara grande parte do último ano nesse estado. Acusou-se quando se envolveu com Theo, mesmo que não soubesse quem ele era. Acusou-se quando sua mãe e irmã morreram por sua causa. Acusou-se quando enfiou uma faca em um homem que matara a própria esposa e ainda matava crianças inocentes. Acusou-se quando alguém estava sangrando por ela, mesmo que Lydia ainda não soubesse que todo aquele sangue era planejado por Foster. E por fim, acusou-se quando precisou matar alguém que merecia morrer e, ainda, o alguém que estava a tirando a última pessoa que poderia amar no mundo.

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