Perdido

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Terceira Pessoa

Martin segurou o porta retrato contra os dedos, absorvendo os doces sorrisos ao lado de Katherine e Gina naquele dia antigo de verão. Seu coração apertou e lágrimas rasas passaram pelos olhos, lutando contra a carga de raiva que a dominou.

Lembrar-se da irmã e da mãe ainda era um catalisador para suas emoções reprimidas e roídas em rancor por Theo. Acostumada com o vazio que inundava o peito e as veias ardentes de raiva, engoliu a bola de ácido na garganta e ajeitou o porta retrato na estante com livros e algumas revistas. Deu uma olhada por cima do ombro, distraída, vendo Mitch pegando uma garrafa de vinho na geladeira.

Lydia voltou para a frente com um suspiro trêmulo, os nervos formigando com sensações adormecidas, e o peito de repente cavado em um buraco indesejado. Ela gemeu baixinho, irritada consigo mesma, atingida por memórias infortunas.

Relacionar-se com Mitch – em qualquer nível – não era nenhum sacrifício, e as sensações de prazer em aspirais doces ainda estavam vivas contra sua pele. Entretanto, Martin não sentia-se assim há muito tempo. Quando se deitou ao lado dele pela primeira vez, poucas horas antes, o coração estava calmo e preenchido por luxúria, mas sua cabeça guiou-a em um campo minado, e de repente estar com alguém depois de tanto tempo tornou-se confuso.

Theo era como um fantasma, uma memória distante e adormecida, mas, ainda assim, estava em um algum lugar dentro dela. E estar com outro alguém depois de tantos dias sendo ativada pelos doces olhos claros de Raeken, pareceu novo e uma situação confusa. Ainda lhe parecia certo, como se todo seu interior estivesse programado para receber os cálidos beijos de Mitch, sua energia ondulada de confiança e admiração, mas sua cabeça fechada e consumida por uma melancolia que não queria.

Lydia não queria Raeken. Depois de tanto tempo, tantas noites consumida pela ira cega e pela saudade de Katherine e Gina, já não se importava que algo nela ainda amasse a ilusão de Henry Pierce, justamente por ser uma ilusão.

Tudo nela se ressentia a Theo Raeken, e sua garganta trancava em desgosto com o mero pensamento. E Martin odiou que ele ainda tivesse esse poder sobre ela, que ele pudesse mesmo de longe e depois de tanto tempo deixá-la confusa mesmo quando tudo em suas entranhas reverberavam satisfação por Mitch.

Queria ficar ao lado dele, mas não sabia que o agente desejava o mesmo. Teve receio de mostrar-se próxima de uma maneira ruim, quando não sabia em que pé estavam, quando não tinha ideia se Rapp realmente queria ficar ao lado dela, deitado enquanto o mundo ao redor congelava.

Para Lydia, todas as horas dentro daquele apartamento estavam paradas. Mesmo com toda a balbúrdia da cabeça confusa e melancólica, algo dentro dela ainda gritava de alguma felicidade inédita quando pensava em onde estava e com quem.

– Terminou?

Puxada dos pensamentos maçantes, Martin agitou a cabeça.

– Sim. – Murmurou ela.

Virou-se para trás. Mitch caminhava em sua direção, estendendo para ela uma taça de vinho. Ela pegou com um sorriso gentil, observando-o correr os olhos em volta e apreciar o apartamento agora com toda a mobília em volta. Martin não suportou a coceira do próprio corpo, a fome quase física e apertada dentro de si em vontade de admirá-lo. As últimas três horas tinham sido leves e fáceis, porquê Rapp era bom em tornar o clima tranquilo.

Lydia reagia bem, também estava tranquila, mas enquanto a cabeça rebobinava incansável sobre o quanto ainda era novo sentir o peito aquecer ao lado do agente – principalmente durante o sexo –, seu corpo ainda formigava o tempo inteiro em resposta a ele. Cada segundo ao lado dele, cada sorriso, cada olhar que pudesse não ser em seu rosto eram um lembrete de que poucos momentos atrás, ela estava com ele. Pele contra pele. Molécula contra molécula.

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