Cárcere

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Terceira Pessoa

A taça de vinho subiu aos lábios mornos pela sexta vez naquela noite, cheia de álcool e promessas de dormências que Mitch orava para que funcionassem. Estava se distraindo muito fácil em cada detalhe que lhe surgia na visão, como naquele momento em que seus olhos estavam mais uma vez nas pernas fora do vestido preto e apertado.

Lydia usava uma calça meia coxa preta, e aquela peça já era – mesmo em pouco mais de meia hora – a coisa mais sexy que Mitch enxergara.

Ele afundou no sofá macio e engoliu em seco enquanto Lydia comia ao lado dele, distraída consigo mesma. Observou-a dar uma nova mordida na fatia de pizza e murmurar baixinho em aprovação.

Martin poderia se considerar acanhada quando passou pela porta mais cedo, mas bastara poucos minutos para perceber-se ausente de preocupações rotineiras.

Ela demorou-se um novo minuto para admirar as janelas do chão ao teto, a estante preta carregada de livros, a cozinha ao fundo da visão com armários pretos e foscos.

– Seu apartamento é bonito. – Elogiou ela. – Gostei da pegada vintage.

Mitch a olhou por cima da taça, os olhos quentes de uma maneira não compactuada com o diálogo proposto.

– Obrigado. – Ele ancalçou o controle remoto em cima da mesa de centro e voltou a acomodar-se no estofado. – Eu escolhi um filme para a gente assistir.

Os olhos verdes brilharam de empolgação. Ela engoliu um último pedaço e jogou a metade da fatia de volta na caixa de pizza, pegando a taça de vinho que Mitch serviu. Acomodou as costas no sofá e sentiu o pulso pular quando o homem passou um braço pelos ombros dela e a acomodou mais perto.

O frescor de sabonete e uma essência viril a atingiu em cheio. Ele ainda tinha o cabelo escuro úmido do banho. Mitch a viu dar um mero sorriso de gratidão antes de encostar a cabeça no ombro dele a aconchegar as mãos no colo, relaxada contra o corpo masculino. Ela prendeu a taça contra os dedos e respirou baixinho, viciada no cheiro que vinha da camiseta preta e lisa. Precisou conter o impulso de tocar no tecido.

– Aposto que é alguma baboseira sobre John Travolta. – Murmurou ela, alguma seriedade por trás da voz leve. – Homens são previsíveis.

Mitch deu uma gargalhada vitoriosa.

– Homens, são sim. – Disse ele, sorrindo. – Mas eu sou diferente, Martin.

Ela ergueu-se dele com um sorriso debochado.

– Que frase clichê. Está tudo bem, eu assisto...

Lydia se calou quando a descrição do filme surgiu na tela. Seus lábios caíram em choque, mas não demorou para eles se curvarem em admiração e euforia.

– Isso é sério?!

Mitch riu, bebericando o vinho. Ele se esquivou para a ponta do sofá e apagou a luz da sala, deixando-os com a pouca iluminação azulada que atravessava a janela e a da televisão.

– Posse te dar o que você quiser se eu chorar.

Ela rolou o pescoço para o lado e sorriu, fazendo-o lamber os lábios quando o cabelo grande deslizou pelas costas com um charme natural.

– Acontece que eu já tenho tudo que quero.

Mitch esvaziou a taça de vinho com mais dois goles e colocou-a na mesa de centro. Ajeitou-se no sofá e lançou o quadril um pouco mais para a frente, subindo os pés descalços até o móvel de vidro. Os olhos verdes engoliram seus movimentos sem receio, observando tudo que podiam mesmo no escuro.

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora