Imã

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Terceira Pessoa

Mitch cruzou os braços firmes, apertando as mãos em punho enquanto desenrolava um suspiro profundo dos pulmões. Passou uma língua pela boca, enrijeceu as pernas esticadas e buscou por Irene, observando-a folheando papéis diante do silêncio da sala. A risada de Foster inundou seus ouvidos como um tsunami, devorando suas entranhas consumidas por remorso e raiva.

Apesar de todo o esforço em manter-se focado no trabalho nos cinco dias que seguiram, ou focado – o máximo que podia – em Lydia, suas emoções ruins ainda eram impossíveis de serem acorrentadas como realmente ansiava. Sentia-se frustrado pelo organismo de Scott resistir a medicações, por seu próprio corpo ainda estar polido em dor devido à explosão da última missão, e pelas batidas exaustas de seu coração apertado a todo momento serem direcionadas a Lydia, mesmo quando alguma coisa dentro de si estava começando a dar indícios de resistência.

Por mais que se visse apaixonado pela agente, disposto a compartilhar isso com ela e render-se ao fato, os últimos dias pareciam corrompidos por um enorme deserto. Estar perto de Lydia ainda era bom, revigorante, e seus sentimentos estavam expostos o tempo inteiro para ela. Todavia, algo dentro dele estava tentando freá-lo por alguma razão que não conhecia. Talvez, instinto. Talvez, receio.

Quando decidiu expor seus sentimentos de vez – mesmo por um mero ímpeto impensado –, Rapp reconhecia que despencava em um penhasco arriscado. O penhasco de olhos verdes e cabelos ruivos de uma mulher que logo o tomaria por inteiro, de uma forma tão ágil e saudável que ele sequer perceberia.

Mitch não se importou com nada além dela. Ainda que soubesse que Lydia poderia estar com o coração, ao menos por um fio, ainda amarrado em Theo, ou soubesse que existia a possibilidade de a mulher não desejar mergulhar em novas sensações com outro alguém tão rapidamente, Mitch ainda escolheu mostrar a ela como se sentia.

Embora quisesse acreditar que havia tomado a decisão certa mesmo quando o futuro era apenas um borrão de possibilidades, o distanciamento repentino de Lydia dos últimos dias estava ameaçando suas entranhas com receio e medo e quebra. O mero conforto que se erguia em peito todas as vezes que Lydia costumava parecer tão bem ao redor dele, agora despencava em grandes blocos de tormento.

O que Mitch não sabia era que Martin estava se distanciando pelo o que ela acreditava ser o bem de ambos. Para ela, manter-se um pouco afastada, vítima dos sussurros ensurdecedores que sempre tomavam suas orelhas quando estava prestes – possivelmente – a ser corrompida, era melhor do que precisar confessar a ele como se sentia e especular possíveis soluções.

Afinal, Lydia ainda não sabia o que estava sentindo, mas entendia que não poderia acreditar nas fantasias da própria cabeça mesmo quando elas continuavam sendo criadas. Não queria ser invasiva e também não se via disposta a pressioná-lo, mesmo que considerasse egoísmo de sua parte. Pensava que talvez, algo dentro dela havia desaprendido a ter um relacionamento.

Tentava ser racional, acreditando que seu silêncio e um pouco de espaço seriam bons para que as ondas assustadas que balançavam em seu peito tomassem coragem para se acalmar. Lydia sabia, melhor do que ninguém, que suas decisões eram frutos de medo adormecido. Medo plantado por Theo em cada ponto de seu corpo. Ela não suportaria que seu fantasma do passado, seu doce e antigo Henry, fosse agraciado pela companhia de Mitch no presente.

Mas, ainda assim, algo dentro dela, por mais amedrontado e confuso que a estivesse, a impediu de afastar-se por completo. A sensação devastadora que a tomou ao imaginar-se totalmente afastada dele, talvez, possa tê-la assustado mais do que de fato, o medo de ser outra vez enganada.

A agente esforçou-se para não confundir Rapp, não o magoar, mesmo quando doía estar ao lado dele e não dizer o que a incomodava. Nos três primeiros dias após a missão, Martin conseguiu esconder-se por trás da moldura profissional, encadeando suas preocupações para que pudesse não transparecer à Mitch seus devaneios desconfiados. Afinal, como poderia dizer a ele que estava com medo de que ele estivesse a enganando?

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora