Fantoches

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Mitch Rapp

Meu corpo estava doendo. Mãos, ossos, ombros, joelhos. Eu estava exausto, um suor constante e gélido descendo por rosto e meus pés formigando de cansaço. Nós perdemos tempo demais. Perdemos tempo, perdemos balas, e talvez já tenhamos perdido Irene.

Eu não esperava que Sophie e Allison fossem concordar com esse plano e no fundo, não queria que elas o fizessem. Se algo acontecer com alguém aqui dentro, a culpa será minha. Eu empurrei todos comigo para essa merda de buraco de vingança e raiva e medo.

Eu ainda não sabia como me sentir em relação a Irene e toda a história ainda doía pra caralho... mas não doía mais do que imaginá-la morta justamente por minha culpa. Eu não poderia viver em paz sabendo que ela fizera um acordo para salvar a merda do meu pescoço enquanto vinha para cá, entregando tudo que o Foster sempre quisera. Não importava o quão estranho nosso relacionamento fosse, eu precisava fazer alguma coisa.

Sempre foi assim. Eu tinha essa maldita necessidade de suprir a culpa que eu acolhia para mim. Quando Lydia fugiu da CIA, eu soube que tinha falhado na única coisa que deveria fazer: mantê-la aqui.

Fui devorado por culpa todas as vezes que precisei mentir para Lydia enquanto pesquisava sobre Irene e Oliver, sem conseguir lidar com a verdade que logo depois se revelou.

E agora, eu não conseguia ignorar que alguém queria morrer por mim. Irene era o que era. Arrogante, direta, as vezes até cruel... mas eu também carregava isso comigo, principalmente porque eu vim dela. Passei anos na CIA sem conseguir esconder meu lado sombra e agora eu reconhecia, melhor do que ninguém, que ele era familiar ao dela. Eu entendia o que ela estava fazendo, mas isso não tornava a situação melhor. Eu me sentia ainda mais culpado.

Tanta culpa na porra da minha garganta, nos meus dedos fracos, na minha língua seca... e tanta raiva debaixo das minhas unhas, nas pontas dos meus cílios... eu era movido apenas por isso. O único lugar bom dentro de mim, livre de tempestades era meu peito, e esse mérito era de Lydia.

Mesmo que eu também precisasse lidar com o medo de perde-la e a raiva por ver um fio de sangue em seu rosto, no fundo, meu coração estava calmo com ela.

Eu chutei a porta de madeira velha e com o oxigênio dando voltas em meus pulmões, caminhamos para dentro da sala. A raiva penetrou minhas entranhas com tanta força que senti uma vertigem me tomar. Antes que eu pudesse decifrar toda a cena que meus olhos captaram, segurei meu primeiro impulso de disparar o gatilho.

Apertei meus dentes e engoli seco, examinando a forma que algum susto de surpresa passou pelo rosto de Foster. Meu rancor confrontou meu medo, mas tudo dentro de mim morreu quando, ao abaixar os olhos, meu coração se comprimiu com dor. Uma dor que eu nunca senti antes.

Escutei armas se levantarem em nossa direção, vindas dos dois capangas que enxerguei pela visão periférica, posicionados há alguns metros perto de uma mesa suja e com a madeira corroída por cupins, porém, não consegui prestar atenção.

Minhas mãos ameaçaram largar a arma quando, aos poucos, assimilei como o sangue em sua pele pareceu arder diretamente dentro de mim. Eu não rejeitei o sentimento. Talvez eu devesse, mas já era tarde demais para fingir que não me importava.

Os olhos escuros de minha mãe se arregalaram para mim. Ela estava sentada, os pulsos amarrados por cordas nos braços da cadeira que a colocaram. Não estava amordaçada, mas eu não pensei que ela pudesse falar. Uma de suas bochechas havia ganhado uma marca roxa/amarelada, provavelmente de um soco. Suas roupas estavam amassadas e o terror nivelado em seu rosto só conseguiu fazer ainda mais raiva se acumular em meus ossos. Por um momento, acreditei que pudesse dobrar ao meio.

Crow's FlightOnde histórias criam vida. Descubra agora