A CHUVA

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Dona Ana olhou para os buracos irreparáveis nas telhas de seu barraco, o olhar perdido, quase sem esperança. Cada poça de água que se formava no chão de barro parecia um retrato da sua vida: uma tristeza que, a cada dia, crescia mais, alagando seu coração. A tempestade estava chegando. Ela podia sentir o peso da nuvem no ar, o cheiro da terra molhada misturado ao medo. Mais uma vez, ela sabia que não havia muito a fazer. O morro, o barraco, tudo aquilo já não resistiria a mais uma chuva torrencial.

A negra Ana pegou o terço, o rosário de contas gastas e escuras, e rezou. Mas rezar para Nossa Senhora da Penha já não parecia o suficiente. O tempo parecia ceder e o vento soprava com um furor que ameaçava arrancar até as raízes da terra. Ela sabia que a tempestade não pararia, e agora nem a fé parecia trazer algum consolo. O terço esfregado entre os dedos parecia apenas uma tentativa de segurar o que não podia ser segurado. Ana rezava para a padroeira, mas, no fundo, rezava também para o filho, que ela sabia estar longe. Muito longe.

Seu filho. A única razão de estar ali. Ele, que antes se aninhava em seus braços, agora havia se distanciado. Mas era um homem agora, com seus próprios passos a seguir. Uma dor silenciosa apertou seu peito, quase como a chuva que começava a descer, batendo contra as telhas do barraco. Será que ele pensava nela? Será que, onde estivesse, pensava na mãe que o pariu? Será que sentia falta de sua presença? Ou ela já era uma memória apagada, como as coisas que caem no esquecimento?

Quando o marido fechou os olhos para a vida, tão repentinamente, tão sem aviso, Dona Ana teve a sensação de que o mundo havia virado de cabeça para baixo. Ele, o homem de sua vida, sempre tão forte, tão vigoroso, tombou sem mais nem menos. Um ataque cardíaco, disseram os médicos. Mas Dona Ana sabia que não era isso. O coração dele havia parado, mas algo mais dentro dele tinha se quebrado muito antes. A perda foi uma ferida aberta que nunca mais cicatrizaria. Ela ainda o sentia ali, nos cantos da casa, em cada sombra, em cada silêncio.

Mas ela ainda tinha o filho, e isso a mantinha firme. Ela se agarrou a essa esperança como se fosse a única coisa real que restava. O pequeno menino, aquele que vira crescer diante de seus olhos, se transformara num homem forte. Um homem como o pai. Quando o olhava, via nele o reflexo do amor perdido. E por ele, ela viveria e morreria. Todos os dias, ela rezava por ele, pedindo proteção, pedindo que o mundo não o machucasse como o machucara. Ela o amava mais do que a própria vida.

Mas o tempo foi implacável. Uma garota bonita da cidade arrebatou o coração do filho. Dona Ana não gostou da garota. Viu logo o que ela era, o que poderia fazer com o coração do rapaz. A jovem era tudo o que ela temia: inconstante, superficial, uma neblina doce e traiçoeira que logo se dissiparia. Mas seu filho, tolo como os filhos de todos, a amou profundamente, cegamente, como se ela fosse o único amor verdadeiro de sua vida. Casaram-se rapidamente. E, como sempre acontece, quando o filho se vai, a mãe fica só. Dona Ana agora vivia sozinha, com as suas orações e a saudade, uma solidão cravada em seu peito como uma lâmina afiada.

Naquele dia, porém, a chuva estava especialmente cruel. O vento uivava. As telhas voavam pelo ar como pedaços de papel. O céu escuro parecia estar se desmoronando em cima dela, e o barraco tremia, os buracos nas telhas deixando escapar gotas de água, mais e mais, até que o chão estava encharcado. E ainda assim, Dona Ana esperava. Esperava uma ligação do filho, mas ele nunca ligava. Ela olhou para o celular, que havia ganhado no Dia das Mães, o último presente dele. Ele sempre a presenteava com algo, mas nunca estava ali. Nunca. O celular estava na mesa, como um objeto inútil. Ela não sabia mexer muito bem nele. Ele era só mais um símbolo de distância. Ele não estava com ela, e ela sentia falta da sua presença, da sua voz. Sentia falta do calor do corpo dele perto do seu. Mas não havia baldes ou orações para tapar os buracos no coração.

O vento uivava mais forte agora, e a tempestade parecia ainda mais feroz. O telhado estalava, cedia, as telhas estavam começando a se soltar. E foi ali, no meio do caos, que Dona Ana viu.

Ele estava ali.

A figura que ela tanto amava. O marido, deitado na cama, como nas noites antigas. Ele não estava mais no lugar que ocupava na memória dela, aquele lugar distante e dolorido. Não. Ele estava ali, com os olhos brilhando como antes, com aquele sorriso tranquilo, como se não houvesse tempo, como se nada tivesse mudado.

— Vem deitar um pouco, querida. Você deve estar cansada — disse ele, sua voz suave, como uma brisa morna. Ela ouviu, ou pensou ter ouvido. Mas a tempestade ainda rugia lá fora, e o barraco estava prestes a desmoronar.

Dona Ana não pensou. Não teve medo. O coração dela, ferido pela saudade e pela solidão, soubera o que fazer. Ela caminhou até a cama, onde ele a esperava, e se deitou. No momento em que ela fechou os olhos, o mundo se despedaçou ao redor. O ruído da tempestade se transformou em um sussurro distante. E ela se entregou, finalmente, ao abraço do marido.

A chuva caiu torrencialmente. O barraco desmoronou. O morro, a cidade, tudo se afundou nas águas. E Dona Ana, finalmente, descansou.

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