Capítulo 51

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          Vítor Hugo

      Levei Danny para o hostel em que ela se hospedara com o pai, fazendo-a se sentar num banco de madeira. Me sentei ao seu lado. Seu olhar distante mirava o infinito, as mãos se apoiando no banco e ela me olhou ao sentir o toque da minha mão na sua. Sua expressão transmitia angústia, tristeza e dor, mas não uma dor recente. Era algo muito mais profundo.

      Os lábios dela se moveram, formando um sorriso triste, me implorando ajuda. Sua mão livre tocou meu rosto, descendo até meu  queixo, e esse toque produziu dentro de mim uma daquelas sensações que eu não queria sentir, e que eu embora eu negasse, gostava: sensação de ter borboletas no meu estômago.

      Danny era de um tipo de garota que não se deixava prender. Eu a via como uma força da natureza, destinada a vencer, a voar sempre alto como um cisne, desprovida de laços.

      Me doía vê-la triste. Se eu pudesse, faria qualquer coisa para que seu sorriso voltasse. Mas também não me importaria de chorar com ela.

      — O que aconteceu? — perguntei após longos minutos de silêncio.

      Danielle meneou a cabeça negativamente, abaixando-a a seguir, fugindo do meu olhar compassivo.

      — Pode se abrir comigo — insisti.

      A garota olhou para o céu que se tingia de dourado à medida que o sol descia para descansar.

      — Você olha para o pôr do sol quando se sente triste — ela citou Antoine de Saint-Exupery.

      Assenti afirmando.

      — O livro do autor dessa passagem diz isso. Mas eu não acredito. É poético. É melancólico. Mas só quando nos abrimos com alguém ficamos leves. Não somos ilhas pra ficarmos isolados. Precisamos das pessoas.

      Danny se virou, me encarando com seus olhos celestes. Sorri, passando o dorso da minha mão em seu rosto.

      — É verdade — ela concordou.

      — Me conta o que aconteceu. A Micaela disse que você agrediu uma bailarina na aula. Claro que eu não acreditei, você não é capaz de fazer mal a ninguém.

      — Não se engane, Vítor Hugo. Eu sou um vulcão por dentro. Pareço calma, delicada e gentil, mas na verdade eu sou uma mulher instável. Emotiva. Não cheguei a agredir a Lupita, só a chamei de vaca. Mas faltou pouco pra eu me pegar com ela. Não quebrei os dentes dela porque me seguraram.

      — Tudo por causa de um chute que ela te deu?

      — Acha pouco? Ela me acertou de propósito. Podia ter quebrado meu nariz ou um dente meu. Aquela garota faz de tudo pra me provocar.

      — Eu não sei quem ela é, já que ontem sai para denunciar o Beto e hoje não fui à aula por causa dos meus pais. O pessoal diz que essa garota é arrogante. Só que cair na provocação dela não vai te ajudar em nada.

      — Quer que eu fique quieta e deixe ela pisar em mim? 

      — Tem outras formas de lidar com provocações.

      — Ah, é? Quais?

      — Você se focar na aula e mostrar que é melhor que ela dançando. Revidar provocações não é bom para nenhum bailarino. E se te expulsam do curso?

      Danielle soltou um suspiro profundo, olhando para frente e inclinando a cabeça.

      — Eu sei que não devia ter feito. Me descontrolado, eu… não tô bem, Vítor Hugo. Fiz uma aula ruim.

      — Micaela me contou isso também.

      — Sua amiga parece sentir prazer em falar mal de mim.

      — Ela não esconde que não gosta de você. Pelo menos é verdadeira. Coisa que essa argentina, a Lupita, não é.

      — Ah, pronto! Vai defender a Micaela? Eu nunca fiz nada pra tua amiga, e ela parece querer que eu morra.

      — Bom. Vai ver que é porque ela te vê como uma forte rival, normal no nosso meio. Você devia estar acostumada com isso. 

      — Tem hora que isso cansa — Danny soltou um longo suspiro, olhando em seguida para o lado.

      Deixei também o ar escapar por entre meus lábios, olhei para a linha alaranjada do horizonte e considerei o trecho de O Pequeno Príncipe. Impressionante que um livro de escrita tão simples nos ensine tanta coisa, lições de vida que nos lembram da brevidade da nossa existência e da importância de sempre lutar para ser feliz.

      Quando nos sentimos tristes, olhamos para o pôr do sol. É um lindo espetáculo da natureza, uma obra de arte, e como tal, criada por um artista de grande sensibilidade.

DanielleWhere stories live. Discover now