Danielle
Os ensaios continuaram de forma alternada até que Carlos Amaral se deu por satisfeito. Ele não tinha muito jeito com pessoas e não economizou nas cobranças com as meninas, usando às vezes palavras muito duras que fariam qualquer garota querer chorar, se a mesma não pertencesse ao mundo da dança.
Até a Duda tinha no olhar sinais de clara frustração e vez ou outra, quando o coreógrafo não olhava, deixava escapar um “bosta”.
Como devia ser com bailarinos profissionais, que recebiam cachê? Será que a Maria Luíza ouvia coisas piores, será que ela se sentia diminuída quando os professores lhe faziam cobrança e empregavam termos rudes?
A ficha começou finalmente a cair.
Eu estava entrando numa fase de mais responsabilidades, precisava começar a me habituar com professores mais rígidos que não sorriam, não te elogiavam, mas apontavam seus erros.
Micaela e eu nos posicionamos no centro e nos demos as mãos, com a Flávia e a Nicole nas extremidades. Por um momento esquecemos que somos desafetas e senti confiança por dançar com uma júnior experiente. A música tocou e nós quatro fizemos o nada sutil movimento de virar as cabeças para o lado ao mesmo tempo, saindo a seguir.
Carlos Amaral parou o ensaio no meio. Disse que eu adiantei o pas de chat e que eu parecia uma daqueles bonecos movidos a ar dos postos de gasolina quando mexia a cabeça e o corpo.
— Só mexa a cabeça — o coreógrafo enfatizou.
Eu olhava para a parede, onde Vítor Hugo e Duda descansavam depois do ensaio. Eles conversavam alegremente, como se fossem amigos de muito tempo, e prestavam atenção ao nosso ensaio.
Mordi meu lábio inferior.
Ódio!
Semana passada eu dancei com ele o pas de deux de Siegfried e Odette. Agora, era a Duda que estava no meu papel. Era ela que tinha as mãos do Vítor Hugo em seu corpo, era ela que se sentia no céu quando ele a levantava.
Nunca liguei de ser uma bailarina secundária na Promoarte e de ser ofuscada pela Duda. Ela era minha referência e sempre a admirei.
Mas era foda ter dançado um papel incrível e perdê-lo. E perdê-lo justo para uma garota arrogante, que não perdia a oportunidade de dizer que era diferenciada por ser uma bailarina negra que desbancou bailarinas louras de olhos azuis e que era sondada por companhias grandes.
Mas como dizem, a arrogância é o primeiro passo para a queda.
O olhar de Vítor Hugo mudou depois que Duda lhe disse algo, como que se revestisse de uma desconfiança, sei lá. Parecia estar com raiva de mim. Se estivesse, eu não tinha culpa. Eu tinha sido sincera ao expôr o que sentia por ele.
Me concentrei na nossa dança. Respirei fundo, segurando a mão da Micaela e da Nicole.
Dançamos mais uma vez, saindo em seguida. Mantive contato visual com a Duda e o Vítor Hugo, que se levantavam para ensaiar novamente os passos que não estavam bons e recebi da minha amiga um olhar desafiador que eu conhecia muito bem. Duda costumava me olhar assim quando eu ficava em segundo lugar nos festivais que ela vencia.
Depois de uma semana apagada, ela voltava a se sentir a melhor.
Mas eu tinha coisas mais importantes com que me preocupar, e não era a arrogância da minha colega que estragaria a última semana do festival em que me reinventei como bailarina.
Vítor Hugo suspendeu a Duda em pescado, e nesse instante fechei a porta atrás de mim.
Eu senti de novo um aperto dentro do meu peito, uma sensação de abandono que fazia meu ar faltar. Também me senti sozinha, como se tivesse perdido uma coisa importante que agora me fazia falta.
Antonella entrou atrás de mim no chuveiro. Felizmente ela se comportou.
Saímos juntas e nos vestimos. A presença dela me fazia sentir aversão, raiva, sei lá, e pra complicar, naquele momento ninguém além de nós duas se encontrava no vestiário.
Calcei o tênis sem olhar para a argentina, procurando fugir de confusão. Ela era argentina, não é? Provocar é uma qualidade dessa gente que considera Buenos Aires como uma capital européia e que se sente a melhor em tudo.
Ao mesmo tempo, ela exalava um perfume cítrico delicioso, provocativo. Olhando-a a furto, constatei que ela era linda como uma modelo e tinha um jeito todo gracioso de pentear o cabelo louro platinado.
Senti algo estranho pela garota. Algo que eu não fazia a menor ideia do que era e que me deixou confusa.
Será que eu quero…
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Danielle
RomancePara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...