Vítor Hugo
— Parabéns, Vítor Hugo — Angel me cumprimentou com um abraço. Era a primeira vez que me dirigia a palavra depois que dei um esbarrão no ombro dele, quando tive um ataque de ciúmes após seu ensaio com a Danielle.
— Obrigado — sorri ao responder.
A quase totalidade do elenco era feminina, Duda dançaria como Odette, o Cisne Branco, e é prazeroso para qualquer bailarino ser partner de uma das melhores bailarinas da atualidade. A interação com ela não seria difícil. Ela era baixa, forte, tinha presença em palco e expressividade, e essas qualidades a faziam ser a artista ideal para o mais importante dos papéis.
Não tinha como sair menos que perfeito.
A bela bailarina negra me abraçou, obviamente feliz por fazer par com um partner que se garantia em palco. De repente, me ocorreu que uma lufada de vento gelado adentrou a sala quando os olhos azuis e impactantes da bailarina de sardas graciosas encontraram os meus.
— Danny, espero que não se importe de eu roubar o Vítor Hugo de você — a nova Odette pôs um tom propositalmente temperado com uma pitada de provocação. — Pra ensaiar o pas de deux, claro.
Alguma coisa entre as duas havia se quebrado, só um idiota para não perceber.
Os olhares tortos da Maria Eduarda, suas soltadas de ar quando ouvia alguém dizer que a Danny estava em ótima fase. Gestos de uma pessoa imatura, que preferia morrer a reconhecer o talento da outra.
Mulheres bailarinas levam à sério disputas dentro do elenco; que melhor exemplo do que Cisne Negro, em que a Nina surta e morre no final?
Nunca ouvi falar de homens que sofressem de bulimia, que brigassem com uma balança ou que trocassem socos, disputando um papel. Os holofotes estavam sempre sobre elas. As bailarinas. As estrelas. Era em torno delas que circulavam as intrigas, os boatos, eram elas que davam beleza à dança, e esta certeza as empurrava à disputa constante pela primazia. Mesmo que tivessem que passar por cima das outras como tratores.
Parei de sorrir ao ser analisado com descrença pela Danny e me surpreendi com as palavras ex abundantia da Duda, provocando a filha do Cisne Branco. Podíamos todos ter passado sem essa.
— Por que eu me importaria? — Danny respondeu.
Ela nos olhou com altivez e seriedade, delineando a seguir um sorriso tímido, sarcástico.
— Parabéns pra vocês dois.
Tive vontade de sair atrás dela e lhe perguntar porque havia reagido daquela forma.
— Precisamos estudar nossos personagens — Duda tinha razão. Faltava poucos dias para o espetáculo, muita coisa para limpar e cada minuto era precioso.
— Você conhece a história? Todos os detalhes, as características do casal? — perguntei.
— Eu tenho o livro na mochila. Se bem que não preciso, porque o li várias vezes.
Alternei minha atenção para ela e para a porta pela qual a Danny acabara de passar, deliberando sobre o que eu devia fazer.
— A Letícia contou a história quando estávamos no grade 1, e nunca mais saiu da minha cabeça — Duda me puxou pelo braço, me fazendo olhar para ela. — Eu sempre sonhei dançar esse papel, sempre me imaginei como a Odette, sabe… É como se eu tivesse nascido pra ser o Cisne Branco.
Os olhos da garota brilhavam, eu estava feliz por ela e me senti feliz por fazer parte de seu sonho. Ao mesmo tempo, me decepcionei com a atitude da Danny, que não me parabenizou, além de mostrar falta de empatia.
— No que depender de mim, vai ser o melhor Ato 2 já dançado — prometi, me permitindo um sorriso.
— Tenho certeza que vai ser.
As produtoras não costumam abrir mão de suas estrelas como protagonistas de suas montagens. Fiquei feliz por ter sido escolhido como Siegfried, já que Angel e Ítalo eram os caras. E foi meu colega quem ficou com o papel do Bufão.
Claro, eu só começaria a temporada dançando. Um dos dois me substituiria quando o curso de verão terminasse e eu viajasse para Londres.
Ao me lembrar da aproximação do dia do embarque, meu coração se afligiu. O tempo passava rápido demais. Pitadas de ansiedade se confrontavam com a saudade antecipada das pessoas para quem eu diria adeus, e que se tornaram uma parte de mim.
Se é verdade que um sonho é o que nos impulsiona a sempre lutar, a sempre dar o nosso melhor para alcançar a tão sonhada felicidade, também é o que nos separa, que nos corta ao meio. Não importa o que digam, sonhos também são egoístas quando querem.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Danielle
RomancePara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...