Capítulo 53

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          Vítor Hugo

      — Pena que tenhamos de ir embora, essa cidade é linda — minha mãe lamentou, pondo a última sacola no porta malas do carro. Quando era mais jovem, dona Carmem Lúcia Costa costumava fazer mochilão pelo Brasil com os colegas de balé, sempre comprando um souvenir como lembrança. Ela não sossegou enquanto não encontrou uma caneca de porcelana com uma pintura do teatro Pedro II e outras lembranças, que meu pai classificou como bugigangas. Só pra irrita-la.

      — Bem que vocês podiam ficar para a apresentação daqui a uma semana — pedi. — Ontem foi a audição das meninas. A Duda vai ser o Cisne Branco.

      — Muito merecido — minha mãe respondeu. — Ela dança muito, e dá um orgulho quando uma bailarina negra se destaca no meio de bailarinas brancas e de olhos claros. 

      — O que você vai dançar, filho? — meu pai fechou o porta malas, passando um lenço no rosto molhado de suor. — Não que eu entenda desse seu mundo, mas posso fingir. — ele riu.

      — A audição masculina será hoje. Só há três papéis, o do Príncipe Siegfried, do Bufão e do Mago Rottbart. Com sorte eu pego um deles.

      — Tenho certeza que você vai ser o príncipe — minhas costelas rangeram ao serem apertadas pelo abraço de urso do velho. 

      Dali a alguns minutos eu teria de ir para a aula e ainda me sentia apreensivo com a recepção dos bailarinos. Todos me mandaram mensagens de apoio ontem à tarde e à noite pelo Facebook e pelo WhatsApp, dizendo ser team Vítor Hugo, e esse carinho me deu confiança. Mas como seria entrar na escola e olhar o eles pessoalmente?

      Talvez demorasse um pouco mais de tempo pra eu assimilar tudo. Que pelo menos não atrapalhasse meu desempenho na audição.

      Tirei meu celular do bolso, havia uma mensagem de bom dia da Danny e dei um sorriso. Ontem conversamos até quase onze horas. Depois que sai do hostel, o padrasto dela, o idiota do Laerte, foi até lá e depois de tomar uma surra tanto do Daniel quanto da Danny, pediu perdão por tê-la abandonado e prometeu nunca mais procurá-la.

      A sardentinha parecia feliz, e eu compreendia muito bem essa sensação de leveza. Nada é mais libertador do que acertar contas com o passado.

      Por mais que a Duda fôsse a bailarina top (e isso caísse muito bem nela), nada tirava da minha cabeça que a Danny só não ia dançar Cisne Branco porque seu emocional estava abalado. Tornei a pedir à loura que não ficasse chateada pela amiga ter pego o papel principal no balé e disse que ela ficaria linda como qualquer um dos cisnes.

      Nossa conversa terminou com a Danny dizendo: “te adoro”. Porém, desejava ouvir um “te amo”. 

      — Ei! Tá dormindo, guri? — os dedos de seu João Paulo da Costa estalaram diante dos meus olhos.

      — Oi? Eu tô? Ah, não. Só uma mensagem.

      — Da bailarina de pernas compridas?

      — João! — ri do tapa que minha mãe deu no ombro do marido.

      — É da Danny, sim. Pena que vocês já vão, iam gostar de conhecê-la.

      — Do jeito que seus olhos brilham quando tu fala dela, deve ser uma moça linda.

      Linda era muito pouco pra definir a Danielle. Ela era maravilhosa em todos os aspectos, e também inalcançável, impossível de ser decifrada, e acho que aquele ar de mistério que ela emanava foi que me cativou.

      Eu me machuquei com um primeiro amor mau correspondido, em que um cara me usou e riu quando o flagrei com uma garota, e fiz a mesma coisa com tantos meninos e meninas. Dei prazer e o obtive, sem jamais querer compromisso sério. Só sexo casual. Então, meu caminho cruzou com o do Danny e compreendi que nunca fui tudo aquilo que eu achava ser. 

      Sorrindo como idiota, meus pais ficaram subitamente sérios e antes que eu perguntasse algo, um par de mãos tocou meus ombros. Ao me virar, um sorriso se formou no meu rosto quando vi os olhos azuis claros da Danny fixos em mim.

      — Oi — a bailarina sorriu.

      — Danny. Nossa, que surpresa.

      — Ela é linda mesmo… — meu pai arregalou os olhos, todo bobo, tomando um tapa da minha mãe no ombro. — Ué, eu falei alguma mentira? Constatar um fato, agora, é errado?

      Danielle riu, achando engraçado o assomo de ciúmes de dona Carmem Lúcia Costa. Minha mãe ficou possuída quando há uns três meses encontrou uma Playboy nas coisas do meu pai, foi muito hilário ela correr atrás dele em volta da mesa.

      — Essa é a Danny. Danny, meus pais. Carmem Lúcia e João Paulo Costa.

      — Encantada — a bailarina conquistou meus pais com seu sorriso verdadeiro e cativante, enquanto se cumprimentavam com beijinhos no rosto.

DanielleDove le storie prendono vita. Scoprilo ora