parte 5

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NÃO VOU NEGAR QUE FOI extremamente difícil ver a presença — aparentemente constante — daquelas garotas na vida do loiro, porque foi

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NÃO VOU NEGAR QUE FOI extremamente difícil ver a presença — aparentemente constante — daquelas garotas na vida do loiro, porque foi. No caminho pra casa me perguntei se haveriam outras.

Claro que há, Cíntia. Não seja idiota.

Ao chegar, me tranco no quarto e enfio a cabeça no travesseiro. Que estranha é essa sensação. Uma mistura de rejeição, desespero, inveja, tristeza, raiva...Acho que a angústia da conversa com minha mãe não chega nem perto disso. É algo completamente diferente, porque Amélia costumava ser minha "família".

Já o Rafael era aquela pessoa que aparecia pra me dar uma pontinha de esperança. Não acredito que cheguei à esquecer do jeito sedutor dele. Tava na cara que depois do nosso término, ele se envolveria com outras garotas.

Ouço batidas na porta e acordo do meu transe.

Levanto devagar e destranco a porta. Rayane entra e começa a se inclinar pra me abraçar.

— Como foi? — ela pergunta.

— Não quero falar disso. É melhor eu trabalhar, pra tentar esquecer esse turbilhão de coisas na minha cabeça. — pego meu notebook e o ligo.

— E como sempre, você tentando fazer do seu trabalho a prioridade.

— O quê? — olho pra ela, que me olha de sobrancelha arqueada. — Rayane, você sabe que eu sempre quis ser fotógrafa. Preciso fazer isso dar certo. É questão de vida ou morte.

— Cíntia, você acha que eu sou cega? — ela fecha o notebook e o coloca de lado na cama. — Você tá deprimida e faz da fotografia sua prioridade. Seu refúgio. Mas o foco precisa ser a sua saúde física e mental, ok? Tento passar uma imagem alegre pra você, mas quando te vejo quieta com essa cara, fico muito preocupada. — ela segura minhas mãos e eu a olho sem reação.

Sinto um nó na garganta e tenho vontade de gritar, implorar por ajuda, por um abraço, uma palavra amiga.

— Rayane... — perco as palavras.

— Eu sei o que quer dizer. Seus traumas são do tamanho do mundo, né? Hoje foi ver sua mãe, ainda teve o reencontro com o Rafael. Muitas coisas acontecendo.

— Pra ser honesta, não sei o que porra eu ainda tô fazendo aqui. — as lágrimas caem e eu começo meu desabafo. — Parece que nada tem solução. Eu perco um pouco da minha vida à cada dia que passa. Minha mãe vai morrer me odiando, Rayane.

— Cíntia, as coisas ainda podem melhorar. E vão. Eu tenho certeza disso. Nada está perdido, entendeu? — ela me olha nos olhos e me diz com certeza. — Pelo que minha mãe falou, o Rafael ainda se importa contigo. Vai que-

— Não. Não. — choramingo igual um bebê. — Ele não gosta mais de mim. E já faz muito tempo. Não tem porquê eu colocar expectativa nesse reencontro. — enxugo minhas bochechas e tento me recompor.

— Menina...Você é incrível, não percebe? É a pessoa mais forte e corajosa que eu conheço. — ela alisa meu cabelo e faz carinho nos meus braços.

Não tive forças pra sequer agradecê-la por essas palavras de reconforto. Talvez porque eu não acredite que minha vida tem solução. Vou até o banheiro e tomo uma ducha. De cabelo molhado e pijama, me sinto refrescada.

A tristeza permanece mas meu corpo está aquecido. Fecho as portas da sacada e calço um par de meias azuis. Rayane e eu assistimos filmes até eu pegar no sono e dormir no sofá.

— Eu prefiro que a câmera pegue apenas esse ângulo do rosto dela, ok? — o marido rabugento da mulher que estou fotografando exige.

A moça se entorta inteira pra obedecer os comandos dele. Mais uma submissa, penso.

— Você devia estar aqui? Que eu saiba as fotos são dela. — falo pra ele.

— Eu estou pagando, sua pirralha mal educada. — ele estufa o peito pra mim.

— Foda-se. Seu dinheiro não quer dizer superioridade e muito menos bom caráter. — rebato.

— Ele tem razão, Cíntia. Deixa como tá. Esse ângulo é o melhor, mesmo. — ela diz, tentando acalmar a situação, e claramente morrendo de medo dele.

— Não. Eu só continuo quando ele sair. — penduro minha câmera no braço, decidida.

— Mas que vagabundinha atrevida! — o marmanjo cospe as palavras.

— Então esquece. Não fotografo com quem desrespeita meu marido. — a pobre moça diz de cabeça baixa.

Respiro fundo sentindo remorço por ela.

— Tudo bem. — pego minhas coisas e saio.

O homem fecha a porta na minha cara e eu tomo um leve susto com o baque. Reviro os olhos e caminho pelo chão úmido das ruas de São Paulo. O céu está ainda mais cinza hoje, algumas gotas começam à cair quando eu passo pela cafeteria que o loiro e eu fomos outro dia.

Eu ia passar direto, mas decido entrar ali. Me sento em uma mesa do fundo e pego minha câmera. Começo a ver as últimas fotos que tirei, e pelo reflexo da tela, noto minhas olheiras marcadas.

Cada dia mais feia, penso.

Meu olhar acaba desviando do objeto em minhas mãos e bate num corpo sentado na segunda mesa à minha frente. Me parece alguém conhecido, mas não reconheço de primeira. Não me dei por satisfeita em ficar sem saber quem é, então me levanto e vou até o homem.

Me posiciono de pé à sua frente e me surpreendo com quem vejo. Já faz muito, mas muito tempo, porém não o bastante pra eu esquecer o rosto do meu próprio pai.

— Rubens? — a palavra saiu sozinha, me arrependi na mesma hora.

— Eu te conheço? — ele levanta o olhar e me olha com dúvida.

— Cíntia. Sua...filha. — engulo seco no meio da frase.

Não acredito que fiz isso.

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